O encontro histórico entre os líderes das duas Coreias na cidade fronteiriça de Panmunjom é apenas o primeiro de uma série de passos necessários a resolver o conflito de 68 anos entre os dois países e lidar com o insondável arsenal nuclear e balístico norte-coreano.
Kim Jong-un e Moon Jae-in deram as mãos, cruzaram a fronteira, conversaram a sós e anunciaram um acordo de paz para este ano. A iniciativa pode resultar numa conquista sem precedentes para a paz global – mas também pode não dar em nada. A parte difícil começa agora. Não há como fazer prognóstico do resultado antes do encontro entre Kim e o presidente americano, Donald Trump, previsto para daqui a pouco mais de um mês.
Dois fatores distinguem a iniciativa atual das duas anteriores de paz – líderes sul-coreanos visitaram a capital ao Norte em 2000 e 2007. Primeiro, Kim transformou a Coreia numa potência nuclear com entre 20 e 60 ogivas e mísseis intercontinentais capazes de atingir não apenas os vizinhos Coreia do Sul ou Japão – mas até mesmo Washington, nos Estados Unidos.
O segundo fator é a personalidade imprevisível dos líderes envolvidos nas negociações. Não o sul-coreano Moon, claro, mas Kim e Trump. Poucos meses atrás, Trump ameaçava bombardear a Coreia do Norte com “fogo e fúria” e chamava Kim de “pequeno homem foguete”. Agora, o tirano norte-coreano se transformou em “homem muito honrado”, e Trump diz haver “boa vontade” entre Washington e Pyongyang.
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Kim, depois de acelerar os testes nucleares e de lançamento de mísseis ao longo de todo o ano passado, fez em janeiro abertura a negociações com o Sul. Moon aproveitou a oportunidade. Depois da troca de emissários – culminando com a visita secreta do novo secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a Pyongyang durante a Páscoa –, Kim anunciou há uma semana a suspensão dos testes, um gesto preparatório ao encontro de hoje.
A principal dificuldade nas negociações está na expectativa dos envolvidos. Trump fala em desnuclearização total e imediata. Moon se mostra favorável a uma estratégia gradual. Kim não pretende abandonar seu cacife nuclear, que lhe garante a posição de força na mesa. Seu objetivo é manter as armas nucleares, obter alívio nas sanções econômicas e conquistar espaço global para a Coreia do Norte, regime totalitário governado há décadas por uma dinastia de tiranos comunistas, considerado um pária na cena internacional.
Sua inspiração óbvia é a China, que saiu do isolamento absoluto para o status de superpotência depois da visita de Richard Nixon a Mao Tse-tung, em 1972. Não se sabe como a personalidade volátil de Trump reagirá aos pleitos de Kim, nem se aceitará menos que o desmatelamento total das armas nucleares no prazo mais rápido possível.
Pela proposta de Moon, a cada passo no desmonte do arsenal, corresponderia um alívio proporcional nas sanções e um investimento do Sul para reerguer a economia norte-coreana. Dessa forma, aos poucos a Coreia do Sul conquistaria hegemonia econômica sobre o Norte. Seria ainda possível reduzir aos poucos a presença dos 24 mil soldados americanos na fronteira entre os dois países, hoje a maior força militar dos Estados Unidos em solo estrangeiro.
Outra incógnita será a reação das potências locais vizinhas: Japão e China. O Japão teme que os americanos aceitem uma solução de compromisso em que Kim apenas desmonte os mísseis capazes de atingir Washington, mas mantenha seu poder nuclear na região intacto. A China vê com enorme preocupação a aproximação entre Estados Unidos com a Coreia do Norte, país que sempre esteve sob sua esfera de influência.
Não há precedentes para o que está em curso. As expectativas dos envolvidos são conflitantes, assim como a interpretação sobre a realidade. Num cenário positivo, a ambiguidade nas declarações de todas as partes poderá ser usada para construir uma ponte que conduza a um acordo de paz inédito e reduza o risco de conflagração nuclear. Num cenário negativo, bem, melhor nem pensar…
Fonte: “G1”, 27/04/2018