A acumulação de capital, em anteposição ao aumento da produtividade, foi historicamente o principal pilar dos modelos de desenvolvimento adotados pelo Brasil, tendência essa reforçada no último lustro. Não por outra razão, o país registrou suas maiores taxas de crescimento em 1950-1980, quando as taxas de poupança e investimento também foram mais altas, em especial no setor público. Desde a segunda metade dos anos 1980, porém, o investimento caiu para uma média de 17% do PIB, um patamar baixo para padrões internacionais e as nossas necessidades: grosso modo, para sustentar um crescimento não inflacionário de 5% ao ano precisamos de uma taxa de investimento cerca de 7% do PIB mais elevada.
Pode-se questionar se a razão do baixo investimento não é o adverso ambiente de negócios que existe no Brasil, envolvendo o tamanho, a ineficiência e a complexidade da carga tributária; a má qualidade e a instabilidade da regulação econômica, ambiental e administrativa; a elevada insegurança jurídica; e a carência de infraestrutura, entre outros. De fato, entre 2003 e 2007 o Brasil foi um exportador líquido de poupança e, desde então, mesmo depois do início da crise financeira internacional, é difícil argumentar que a indisponibilidade de financiamento (externo) seja um limitante importante ao investimento.
Independentemente desses gargalos, porém, o Brasil tem um problema de insuficiência de poupança, que nos últimos 20 anos oscilou em torno de uma média de apenas 16,4% do PIB. Para financiar um investimento de 24% do PIB será preciso um esforço significativo de contenção do consumo, público e privado, e/ou contar mais intensamente com o apoio da poupança externa.
Há três formas principais como o mercado de capitais pode ajudar a lidar com esse desafio. Primeiro, ele pode facilitar a canalização da poupança para os setores em que o investimento é mais necessário. A dimensão mais importante, no caso, é a do alongamento do prazo de financiamento, com destaque para os setores de infraestrutura e construção residencial. Isso aumentará a produtividade do capital, reduzindo o incremento necessário da taxa de investimento.
Há estudos mostrando que a principal diferença entre o Brasil e países com taxas mais elevadas de investimento está na construção civil, menos do que nas inversões em máquinas e equipamentos, isto é, na infraestrutura e na construção residencial e comercial. Em relação à infraestrutura, sabe-se que desde a década de 1990 o Brasil investe pouco mais de 2% do PIB no setor, contra uma média de 5% do PIB nos anos 1970 e taxas próximas ou até superiores a essa em países como Chile, Colômbia, China e Índia.
Note-se, em particular, que os bancos comerciais não contam com formas de captação que lhes permitam financiar investimentos de prazos longos, nem parece adequado, por motivos fiscais e de transparência, que um salto do investimento como esse seja todo financiado pelo BNDES. A principal contribuição do mercado de capitais, nesse caso, será a de prover liquidez suficiente para que os poupadores se estimulem a alongar o prazo dos seus haveres financeiros.
Segundo, será quase impossível dar esse salto de investimento sem contar com a contribuição da poupança externa. Isso pode ser saudável se ocorrer sem um equivalente deslocamento da poupança doméstica, ou seja, se não vier associado à perda de disciplina fiscal nem a um boom de consumo. A Austrália, por exemplo, há anos registra elevado deficit em conta corrente — média de 4,3% do PIB em 1980-2009 —, sem que isso tenha gerado instabilidade macroeconômica.
Mesmo que a poupança externa seja canalizada para o setor privado, porém, há necessidade de alguns cuidados. Por exemplo, como mostra a crise na área do euro, não é ideal que ela seja intermediada pelos bancos, dada a elevada alavancagem dos seus balanços e o risco de que paradas súbitas no financiamento externo se transformem numa crise financeira grave. Nesse sentido, dar ao mercado de capitais doméstico o protagonismo dessa intermediação significa manter o risco cambial, de crédito e de liquidez com o investidor estrangeiro.
Terceiro, a maior profundidade e liquidez do mercado de capitais doméstico, inclusive com o aumento do número de investidores, vai torná-lo mais atraente para os poupadores nacionais, em especial as famílias, potencializando a atratividade de instrumentos como os fundos de pensão. Somada a reformas na área de previdência, isso pode ajudar a estimular uma alta na poupança privada nacional.
Fonte: Correio Braziliense, 28/09/2011
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