“Hoje, ao estado democrático cabe o monopólio da violência, inclusive para garantir o direito de propriedade. Os frutos do esforço individual pertencem aos que o empreendem”
O ministro da Justiça, Tarso Genro, rotulou de tentativa de demonização as críticas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela invasão e derrubada de laranjais em uma propriedade no estado de São Paulo. Ele condenou “aqueles que entendem que os movimentos sociais são caso de polícia”.
Nas democracias, cabe à polícia preservar a paz social e a obediência à lei, se preciso mediante o uso da força. Sir Richard Mayne (1796-1868), o primeiro chefe da polícia de Londres (1829), dizia que “o objetivo primeiro da uma polícia eficiente é a prevenção do crime; o segundo é a detenção e a punição dos criminosos”.
Para sir Richard, a missão da polícia estaria cumprida quando esta assegurasse “a proteção da vida e da propriedade, a tranquilidade pública e a contenção do crime”. Por essa visão, ainda atualíssima, a ação do MST é, sim, um caso de polícia.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, entrou na discussão de forma precisa. “Não acredito que haja preocupação com a criminalização dos movimentos sociais. Agora, ato criminoso, praticado por qualquer pessoa, deve ser tratado como crime.” A invasão de propriedades – que o MST continuou a praticar – é crime inequívoco.
O direito de propriedade foi um dos maiores avanços da civilização. Sua criação, iniciada na Europa medieval, teve seu grande marco na Revolução Gloriosa inglesa de 1688, que aboliu o poder do rei para demitir juízes e confiscar bens. O Parlamento deu independência ao Judiciário e aprovou leis definindo direitos de propriedade.
Por essa época, as obsoletas instituições do feudalismo cederam lugar ao estado contemporâneo. A crescente complexidade da economia exigia a segurança que os barões feudais não podiam oferecer. As cidades, o novo centro econômico, precisavam de ordem. O uso da força requeria um poder central constituído.
Hoje, ao estado democrático cabe o monopólio da violência, inclusive para garantir o direito de propriedade. Os frutos do esforço individual pertencem aos que o empreendem, sem risco de confisco por reis absolutistas ou regimes autoritários. A polícia, uma organização do estado, zela pelo cumprimento da lei.
O estado se transformou, assim, no baluarte do direito de propriedade. A força é usada para defendê-lo, não para usurpá-lo. Essa nova realidade constituiu um dos elementos centrais da Revolução Industrial, com a qual a Inglaterra ascendeu à condição de maior potência econômica no século XIX.
O marxismo entendeu tudo isso ao contrário. A propriedade seria a fonte de todos os males. Seu respectivo direito não era defensável, pois significava “roubo”. Era preciso abolir a propriedade privada. O comunismo, fundado nesse equívoco conceitual, provocou o maior desastre social do século XX.
Alguns intelectuais emitiram manifesto em defesa do MST e com críticas à imprensa, talvez ainda influenciados pela utopia socialista. “A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja (foram 7 000!) como ato de vandalismo. Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça.”
A Comissão Pastoral da Terra não deixou por menos. “Enquanto milhares de famílias sem terra continuam acampadas Brasil afora, grandes empresas praticam a grilagem e ainda conseguem cobertura do poder público.” Mais: “Por que a imprensa não dá destaque à grilagem da Cutrale?”. Nessa onda de absurdos, houve quem atribuísse aos movimentos sociais o direito de desobedecer à lei.
Manifestações de apoio à prática de atos criminosos do MST afrontam o estado de direito. Mesmo que as terras invadidas fossem griladas, a decisão de retomá-las teria de ser do Judiciário, não do MST. A violência, como dito, é monopólio do estado, não de uma organização que nem sequer existe formalmente.
O direito de propriedade é garantido pela Constituição (art. 5º, inciso XXII). A lei atribui ao Ministério da Justiça a “defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais”. Assim, a ofensa àquele direito, especialmente por meio violento, é um caso de polícia, ainda que o titular da Pasta o negue.
Fonte: Revista Veja, 18 de Novembro.
A violência não é monopólio de ninguém.
É um ato que de constragimento.
É contrário ao direito e a justiça.