A anemia da atividade surpreende mês após mês. No início deste ano, as estimativas eram de um crescimento de 2,5%, em 2019, agora é a metade desse valor. O temor de uma nova recessão aumenta a cada dia. As consequências seriam funestas. A trajetória da dívida pública pioraria e o projeto de um país mais moderno e dinâmico ficaria postergado para um futuro longínquo.
Comparações com 2015 são inevitáveis. Naquele ano, o primeiro da crise, as projeções de crescimento começaram positivas, foram sendo revistas para baixo e o ano terminou com um tombo de 3,5% do PIB. Observou-se uma queda de popularidade do Poder Executivo e um relacionamento afrontoso entre os três poderes gerando incertezas.
Em alguns aspectos, crescer em 2019 é mais difícil do que foi então. O PIB está 5,2% menor, a dívida pública saltou de 57,2% para 77,3% do PIB, o déficit primário aumentou de 0,3% para 1,7% do PIB, o cenário externo não é tão promissor agora e a baixa legitimidade de medidas do Congresso Nacional, como as emendas parlamentares impositivas e a retirada do Coaf do Ministério da Justiça, prejudicam.
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O plano do governo é garantir a solvência do governo federal, aprovando a reforma previdenciária e cortando gastos públicos. Isso vai atrair investimentos, crescer e gerar empregos. É condição necessária para evitar uma crise. É também uma estratégia que demorará a apresentar resultados, porque os efeitos recessivos dos cortes de gastos são anteriores aos benefícios do ajuste.
Controlar a dívida do governo central é uma barreira difícil a ser superada. Uma comparação com a dívida do setor privado mostra que esta é um obstáculo mais problemático ainda. O custo de carregamento da dívida pública é de 5% do PIB (Selic x dívida bruta) menos o tributo sobre os juros (em média 20%), portanto, cerca de 4% do PIB. O da dívida privada é mais do que o dobro, 9,9% do PIB (Índice de Custo do Crédito x crédito/PIB) mais o IOF, que não é computado e nem divulgado, desse modo é estimado em 10,7% do PIB.
O peso da dívida pública ((juros + amortização) x dívida bruta) é praticamente o mesmo que o custo de carregamento, os prazos são longos e as rolagens são quase que automáticas e isentas de tributos. O da dívida privada é bem mais alto, os prazos são reduzidos, as rolagens são penosas e oneradas com IOF e outras taxas.
Até agora, o governo central é considerado adimplente. Já o setor privado apresenta índices de insolvência crescentes. Desde que começou a recuperação da economia, em 2017, o número de empresas com anotações de atrasos aumentou 17,8% totalizando 5,3 milhões. Em números redondos, uma em cada duas empresas. Para pessoa física, o crescimento foi de 4,5% alcançando a marca de 62,4 milhões, aproximadamente dois em cada cinco cidadãos com CPF.
Uma anotação num birô de crédito dificulta o acesso a financiamentos comerciais e bancários. Em muitos casos empresas ficam inviáveis e fecham. Há uma destruição de riqueza. A inadimplência é um perde-perde para o país. Desde a retomada da economia em 2017, o crescimento foi fraco, o número de desocupados aumentou, a relação crédito/PIB foi reduzida e, mais grave, a confiança no futuro caiu.
É irônico, mas até o setor financeiro perde com essa dinâmica. Nos dois anos de recuperação, os prejuízos de crédito foram de R$ 240,8 bilhões, que correspondem a 29,1% do patrimônio líquido dos bancos. É uma armadilha de prazos curtos, taxas altas, inadimplência elevada e crescimento anêmico que não convêm.
Mas é um quadro que pode ser revertido aumentando o multiplicador do crédito. Também é chamado de acelerador financeiro, mede a razão entre o impulso do PIB e o incremento do crédito. Quando é maior que um, o crédito é um propulsor do crescimento, caso contrário, o efeito é o oposto.
Ilustrando o conceito de maneira simplista, supondo que um agricultor toma um empréstimo e aplica plantando, se o montante da venda da safra for maior que o da dívida acrescida dos juros, o multiplicador será maior que um, e ele terá gerado valor. Se o montante da dívida acrescida de juros for maior do que a safra, o multiplicador será menor que um e o plantador terá destruído valor.
Algo semelhante ocorre com o multiplicador fiscal, se o investimento público não induzir a um aumento da renda e dos impostos no futuro, o efeito líquido é menor que um. Isso justifica a preocupação com a eficiência dos gastos governamentais para gerar valor para o país.
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Note-se que o efeito é defasado no tempo. Apenas quando os empréstimos e empreendimentos amadurecem é que o valor definitivo do multiplicador pode ser aferido. Atualmente, ele é muito baixo, próximo de zero, no Brasil. Todavia, pode ser aumentado rapidamente e contribuir para uma reversão do quadro de marasmo da economia.
Há muito que pode ser feito nesse sentido. Não é necessário reinventar a roda, é fazer o que os outros países, em que o crédito é propulsor, fazem. Pode-se ajustar a tributação. Enquanto a maioria dos países subsidia e isenta o crédito, aqui ele é tributado pesadamente. Na maioria das operações de crédito, a parte do governo com tributos é maior que a dos bancos. Poder-se-ia zerar o IOF e o PIS-Cofins e compensar com uma alta na tributação das aplicações, sem perda da arrecadação total.
Outras medidas que teriam um efeito positivo no multiplicador seriam: adotar protocolos usados em outros países de precificação, de transparência, de proteção ao consumidor, de certificação e de tratamento dos inadimplentes, ajustar a classificação e marcação de operações e eliminar o entulho do período inflacionário – moeda remunerada, alguns direcionamentos, indexação múltipla e os depósitos compulsórios. Todas são factíveis.
As mudanças propostas aumentariam o valor do multiplicador e, consequentemente, a saúde financeira de empresas e de cidadãos, o crescimento do PIB e o lucro dos bancos e acabariam com o temor de uma nova crise. Dependem apenas do Banco Central e do Tesouro Nacional e podem ser adotadas de imediato.
Fonte: “Valor Econômico”, 28/05/2019