Em 11 de setembro de 2001 o mundo surpreendeu-se com os ataques às torres gêmeas, ao Pentágono e, se um deles não tivesse sido abortado, possivelmente o Congresso ou a Casa Branca teriam sido atingidos.
Como embaixador em Washington, acompanhei de perto a perplexidade da sociedade norte-americana ao ver aviões, sequestrados por membros da então pouco conhecida organização terrorista Al-Qaeda, serem usados como verdadeiros mísseis contra os símbolos do poder dos EUA em New York e em Washington.
A reação do governo americano, no entanto, não tardou. A decisão do presidente George W. Bush de declarar combate total ao terrorismo e de proclamar, talvez de forma excessiva, os EUA uma nação em guerra recebeu apoio de todos os americanos. Formou-se um consenso de que o mundo a partir daquele instante seria outro.
“O mundo mudou”, era o que diziam os analistas e o que se lia na mídia internacional. Passados dez anos, já com alguma perspectiva histórica, cabe examinar quais as reais consequências daqueles atos terroristas.
Ao contrário do que se afirmou na época e ainda hoje se repete, o mundo não mudou. O que de fato mudou foram os EUA – para pior – e a agenda internacional, na qual segurança e terrorismo passaram a ter prioridade absoluta, por influência de Washington.
Os EUA, logo após os atentados, e durante o primeiro mandato Bush, reagiram com mão pesada e ampliaram as suas ações globais de forma unilateral.
Embora o ataque ao Afeganistão tenha sido aceito pela comunidade internacional em virtude do objetivo declarado de capturar Osama bin Laden – responsável pelos atos terroristas -, a invasão do Iraque, baseada em evidências falsas, despertou condenação generalizada dentro e fora do país. A Estratégia de Segurança Nacional, de 2002, reforçou o poder dos EUA ao afirmar a nova doutrina de ação preventiva e de mudança de regime, para assegurar a defesa dos interesses do Estado norte-americano.
O mundo naquele momento era unipolar, como já acontecia desde a queda do Muro de Berlim e a primeira Guerra do Golfo, em 1991. O multilateralismo estava em declínio e as Nações Unidas se viam marginalizadas.
No âmbito doméstico, foram aprovadas legislações radicais que afetaram o modo de vida dos que vivem no território americano e arranharam a Constituição, no capítulo das liberdades civis. O Patriot Act, verdadeiro Ato Institucional n.º 5, suspendeu o habeas corpus, restringiu a livre movimentação de pessoas, invadiu sua privacidade e, por meio de ordens executivas presidenciais posteriores, permitiu o uso da violência física para obter informações, como comprovado pelas notícias de tortura em Guantánamo, Abu Ghraib (Iraque) e em alguns outros países ocidentais e do Oriente Médio, cooptados pelo governo dos EUA. Esses instrumentos de repressão a suspeitos de ações terroristas ainda estão em vigor.
Algumas percepções – tomadas como verdades absolutas depois dos ataques – mostraram-se equivocadas:
Os EUA manteriam um papel central no mundo e sua liderança global seria incontestável.
Já no segundo mandato de George W. Bush a situação começou a mudar, mas a preocupação com o terrorismo se manteve alta. O poder unilateral dos EUA foi perdendo força, mas a doutrina da “guerra global contra o terror” não desapareceu, como se viu na invasão do espaço aéreo do Paquistão para capturar e matar Bin Laden e nos ataques com veículos não tripulados à liderança da Al-Qaeda no Afeganistão.
A segurança do Ocidente ficaria refém da luta contra os terroristas islâmicos por longo tempo.
Na realidade, o choque de civilizações não ocorreu e a ideia de que no século 21 seria criado um califado islâmico global provou ser uma fantasia dos conservadores bushistas.
O Oriente Médio se transformaria por influência da democracia liberal ocidental.
Rejeitando interferências externas, os movimentos populares que ocorrem no Oriente Médio e no Norte da África, não são resultado de pressão liderada pelos EUA.
Nos últimos dez anos o mundo virou de ponta-cabeça, alterando-se de forma radical a geopolítica e a economia global. O atual cenário internacional, contudo, pouco ou nada tem que ver diretamente com os atentados do 11 de Setembro. A disputa entre Israel e Palestina, conflitos regionais e a crise econômica e financeira que começou em 2008, e novas formas de terrorismo, como a eletrônico, via internet, continuam ou surgiram com dinâmica própria.
O século 21 está sendo moldado por forças que pouca relação têm com o 11 de Setembro. Não se ouve mais falar de guerra ao terror. Os EUA estão se retirando do Afeganistão e do Iraque. O custo das duas guerras e da indústria criada para combater o terrorismo, que sobe a mais de US$ 4 trilhões, agravou os gastos do governo, um dos motivos da deterioração da estabilidade da economia norte-americana.
O cenário internacional transformou-se, mas as reais mudanças são consequência, sobretudo, dos desarranjos das economias dos países desenvolvidos e do aparecimento dos emergentes, como, em especial, China, Índia, Rússia e Brasil. Com isso os EUA tiveram reduzido seu poder relativo na esfera política e econômica e o multilateralismo readquiriu força. Com o deslocamento do eixo dinâmico da economia global do Atlântico para o Pacífico, os novos polos de crescimento e de atração política são o maior desafio que os EUA enfrentam nos dias de hoje. Os problemas econômicos gerados pelo fracasso do sistema bancário ocidental e pela crise da dívida soberana custaram à Europa a perda de qualquer pretensão de poder e aos EUA, os AAA concedidos pelas agências de rating.
O 11 de Setembro, que o mundo acaba de lembrar, não foi uma ruptura na história das relações internacionais, mas o ponto mais elevado de tensão antiocidental.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 13/09/2011
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