O Instituto de Estatísticas da Unesco alerta, em informe recente, que grande parte dos jovens da América Latina não alcança níveis apropriados de proficiência em leitura. São 19 milhões de adolescentes que concluem o ensino fundamental sem conseguir ler parágrafos simples e deles extrair informações, num fenômeno que Silvia Montoya, dirigente do instituto, chama de “nova definição do analfabetismo”.
A preocupação da diretora procede, pois a falta de competência leitora fragiliza a cidadania. Afinal, quem não consegue ler jornais ou livros depende do que a televisão lhe recomenda como condutas corretas e não consegue formular seus próprios juízos.
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Além disso, em tempos em que o mundo do trabalho extermina postos baseados em tarefas rotineiras, que não demandam capacidade de concepção, as chances de sucesso profissional e de realização pessoal de quem tem letramento insuficiente se tornam muito limitadas.
Estive na semana passada na reunião da Comissão Internacional sobre o Futuro do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e falou-se muito dos riscos e desafios resultantes da automação, robotização e novas tecnologias e de como a educação deve se preparar para esse cenário. Uma pessoa que não consegue ler um texto curto terá grandes dificuldades de prosseguir seus estudos, encontrar emprego ou empreender.
Li o relatório no voo de volta e vim pensando no Brasil. Aqui, só 30% dos alunos saem do 9º ano com aprendizado adequado em leitura e interpretação, de acordo com dados do Inep. É menos que a média da América Latina, que tanto chocara Silvia Montoya.
Ora, num país de elites não leitoras, o fato de tantos jovens não estarem aptos a ler livros talvez não choque. E, no entanto, a leitura de boas obras pode ser fonte de tanto prazer — cada novo autor que descubro vive comigo uma história de amor.
Ando às voltas com o Leonardo Padura, escritor que sempre me surpreende, mas não lhe sou totalmente fiel. Divido-o com Balzac, que me trouxe, em “Ilusões Perdidas”, uma visão, a partir do relato da degradação de Lucien, ambicioso poeta de província, de como a alma humana pode se corromper aos poucos. Essa possibilidade de viver outras vidas e refletir sobre o que nos faz humanos é roubada desses jovens.
Não é mais suficiente ter um nível mínimo de alfabetização. Não ter competência leitora traz uma incapacidade de viver em sociedade, poder votar e entender propostas dos candidatos e seus próprios direitos e deveres como cidadãos, ainda mais num mundo em turbulência como o que vivemos, em que populismos se constroem a partir do manuseio de corações e mentes dos que não aprenderam (ou não puderam aprender) a pensar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 27/10/2017.
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