Há um novo modelo econômico se delineando? O brasileiro gosta de pensar que estamos sempre diante de um novo modelo, prestes a romper com o passado e mudar tudo. Para o bem, obviamente. A verdade é que as mudanças tendem a ser mais contínuas. O novo modelo é uma sequência do velho, fruto dos esforços presentes e passados e da realidade global.
Há várias incertezas, como sempre. Mas será possível desenhar tendências para a economia brasileira que formem um conjunto coerente? Para responder, algumas diretrizes.
É necessário investir mais para continuar crescendo. Não será possível continuar crescendo apenas incorporando mão de obra à produção. Na última década o emprego esteve em alta seguida e as empresas enfrentaram escassez de mão de obra. O desemprego chegou a recorde de baixa. Agora há necessidade de acumular mais capital para manter esses empregos e crescer mais. O investimento hoje está em torno de 19% do PIB, índice internacionalmente baixo. Os sintomas desse fenômeno estão visíveis a olho nu: falta de infraestrutura, produtividade limitada, custo alto da mão de obra e perda de mercado no mundo.
O investimento só não é baixo quando comparado à poupança que o financia. O governo despoupa, a nova classe média é consumidora e o Brasil tem dependido da poupança externa para investir. Acredito que o governo esteja empenhado em realocar seus gastos em mais investimento e menos gastos correntes (em pessoal, por exemplo), o que é equivalente a poupar mais. Mas há desafios de implementação, como demonstram as atuais greves no setor público e a dificuldade do governo em elevar os investimentos federais.
O aumento do investimento privado é essencial. As parcerias público-privadas e o anúncio recente de leilões de novas concessões na infraestrutura – rodovias, ferrovias, aeroportos, portos – são uma solução. Mas o setor privado vai precisar de retornos adequados para aumentar os investimentos. Os custos de produção estão muito elevados e representam um verdadeiro gargalo.
Há várias iniciativas para reduzir os custos. Está ficando claro que parte relevante da redução dos custos envolve, em certa medida, o governo abdicar de suas receitas. O pacote para reduzir o custo da energia no Brasil precisa da desoneração dos diversos impostos e contribuições. A redução do custo da mão de obra requer algum alívio no imposto da folha de pagamentos. Os investimentos da Petrobrás vão precisar de preços dos combustíveis alinhados com o resto do mundo, o que pode exigir desonerações adicionais de imposto na gasolina e no diesel.
Essas medidas no final vão desembocar na redução da carga tributária, que hoje representa em torno de 35% do PIB e é muito elevada para um país em desenvolvimento. Parece a solução ideal. A redução da carga tributária tem tudo para reduzir os custos de produção e estimular o investimento privado, essencial para crescer mais no médio prazo.
Mas “falta combinar com os russos”, como diria Garrincha. Nesse “novo modelo” as contas fiscais fecham? As contas do governo comportam uma queda mais significativa da receita?
Por melhores que sejam os esforços de contenção dos gastos primários, não me parece estarmos diante de uma economia de recursos de tal magnitude que financie o “novo modelo”, que requeira tamanha redução de custos a ponto de impulsionar o investimento privado e o crescimento no Brasil.
Mas não é só de gastos primários que as contas fiscais dependem. Resta saber se os juros serão menores no futuro e se abrem espaço fiscal para a queda da carga tributária. Ao contrário da meta de primário, o déficit nominal do governo inclui a conta de juros. Um gasto permanente menor de juros pode levar a um déficit nominal menor e permitir uma dinâmica da dívida mais favorável, abrindo espaço fiscal.
Não sou daqueles que creem na queda sustentável dos juros básicos da economia (Selic) por simples decisão do governo. Mas tenho acreditado na convergência dos juros para padrões internacionais no médio prazo no País, desde a conquista da estabilidade macroeconômica e a consequente queda do risco Brasil. A tendência tem sido de queda dos juros, apesar de mais lenta que o desejado. Para a frente, o crescimento mais moderado dos gastos do governo e do crédito no País pode permitir uma queda mais sustentada da taxa de juros (evitando a volta dos juros aos dois dígitos, mesmo após a retomada da economia).
Esse ponto não é trivial, nem assegurado. O elevado crescimento dos gastos públicos teve até hoje como contrapartida uma alta carga tributária, mas também juros mais altos. Se os gastos crescerem mais devagar (ou forem realocados para investimento), a consequente queda dos juros pode permitir uma carga tributária menor. A cada 1% de queda permanente na Selic, estimamos ser possível reduzir a carga tributária em 0,5% do PIB, sem piorar as contas públicas (déficit nominal).
Mas existem dúvidas, riscos e desafios. Em primeiro lugar, pode ser que estejamos enganados quanto à velocidade de convergência dos juros da Selic para patamares internacionais e, infelizmente, a demora seja maior. A inflação já parou de cair e pode voltar a subir, exigindo juros maiores. Esperamos que seja para um patamar menor do que no passado, continuando a longa tendência de queda. Mas não é certo.
Em segundo lugar, o espaço da queda de juros, se vier, deve ser utilizado para aumentar o investimento público ou para incentivar o investimento privado. A tentação de aumentar os gastos públicos ou incentivar o consumo privado (com deduções) pode tornar inviável a sustentabilidade da queda de juros, desequilibrar as contas públicas e acarretar o aumento da inflação. O “novo modelo” deixaria de existir.
O fato de existir um “novo modelo” com juros menores, menor carga tributária, mais investimento e um crescimento sustentável é alvissareiro, mas atingi-lo é um desafio.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/09/2012
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