Em entrevista recente, o cientista político Sérgio Abranches disse que o Brasil vive uma polarização afetiva, termo que tomou de empréstimo da pesquisadora Lillian Mason, da Universidade de Maryland. Segundo a autora de “Uncivil Agreement”, o papel das paixões grupais na identificação política tem feito com que certo vazio de propostas políticas seja preenchido por emoções transbordantes na forma de raiva, euforia e preconceitos.
Essas paixões integram uma identidade grupal que se assemelha à de torcidas de futebol e não permitem a análise cuidadosa de propostas em pauta. Vale apenas a lógica do “nós contra eles”, ou, como resume Abranches, em seu texto “Polarização radicalizada e ruptura eleitoral”, “amo a nós, logo odeio a eles”.
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É curioso, como independente da posição, nos extremos do espectro político, a lógica é a mesma. Não cabe escuta atenta de projetos, o que vale é a identidade do proponente ou algum traço que sirva para desqualificar o incauto, tido como inimigo e não adversário ou portador de alguma ideia de que discordo.
Neste contexto, o debate público torna-se raso e a possibilidade de construção de pontes ou de consensos parciais inexiste. Se o outro é inimigo, por que deveríamos buscar pontos de concordância? A ideia é ou desmascará-lo ou, no limite, trucidá-lo, afinal estamos em guerra…
Mas as democracias dependem de conversas e negociações. E elas são extremamente importantes no Brasil, pois os riscos que vivemos são imensos. O crescimento da desigualdade social, que ocorre em escala global, não é o menor deles e tampouco o são a substituição de trabalho humano por uma automação acelerada ou o crescimento do populismo.
Sem diálogos e reflexão serena, não avançaremos como país e precisamos fazê-lo com urgência mesmo que isso não faça parte do “espírito de época”.
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Para tanto é importante entender de onde vêm essas paixões exacerbadas. De acordo com Jason Stanley, em seu “Como Funciona o Fascismo: a Política do Nós e Eles”, vêm do medo, real ou criado com intenções políticas. Não é demais lembrar os “Protocolos dos Sábios de Sião” e seu papel, em diferentes épocas, para fomentar ódio aos judeus, ou a reiterada propaganda de um passado mítico e fundante da sociedade, que estaria em risco frente à ameaça aos costumes.
Esse medo volta-se especialmente contra a diversidade, não só de etnias, gêneros ou orientação sexual, a quem se busca estender direitos, mas a de ideias. E nisso, o Brasil vai ficando menos rico de projetos e nossa frágil democracia se enterra um pouco mais.
Que possamos mudar isso pelo menos para as próximas gerações!
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/07/2019