A transformação digital mudou o papel dos líderes. Em uma época em que empresas lutam para atrair e reter os melhores talentos e os profissionais tentam se manter relevantes no mercado de trabalho, os CEOs precisam atuar pensando nas duas pontas. Precisam criar um ambiente inclusivo para conseguir atrair os profissionais de fora, ao mesmo tempo em que devem ajudar suas próprias equipes a se requalificar. “Já vimos que não é possível resolver o problema simplesmente contratando novas pessoas”, diz resume Ana Paula Assis, presidente da IBM América Latina.
Esse é o caminho, segundo ela, para lidar com a escassez de mão de obra qualificada para as novas tecnologias. O tema é de grande importância. Segundo uma pesquisa da própria IBM, 120 milhões de profissionais provavelmente terão de ser recapacitadados até 2022. Na quinta-feira (23/05), Ana Paula participa do Conalife 2019, em São Paulo.
Época negócios: Vivemos um mundo em que as tecnologias mudam muito rapidamente e o mercado de trabalho está em constante mudança. Qual o papel do líder nesse cenário?
Ana Paula: A liderança enfrenta desafios com a aceleração das tecnologias disruptivas. Isso tem impacto no mercado de trabalho, nas formas de trabalhar, nos skills, no tipo de talento que você tem que ter na sua organização.
Época negócios: A CEO da IBM já comentou que todos os empregos serão afetados pela IA. Como vocês aqui dentro da IBM lidam com isso e qual é o papel do líder nesse cenário de mudança tão acelerada?
Ana Paula: O papel do líder é ajudar a sua equipe a se recapacitar. Essa é hoje uma das maiores missões que qualquer líder tem. Por que já vimos que não é possível resolver o problema simplesmente contratando novas pessoas. Existe hoje uma força de trabalho que está dentro das empresas e que precisa se readaptar a essas novas tecnologias. O estudo que a gente fez aponta que até 2022, 120 milhões de profissionais provavelmente terão de ser recapacitados. Já hoje vemos áreas de com gap de profissionais prontos enormes, como por exemplo, a área de ciberseguridade, que tem um gap de 3 milhões de profissionais no mundo em 2019. Muita gente fala que os empregos vão acabar, mas temos que pensar que muitos empregos vão surgir. O próprio WEF fala que 70 milhões de empregos vão ser afetados, mas que 133 milhões vão ser criados. Então, o que a gente tem que fazer? Garantir que as pessoas estejam preparadas para esses empregos que vão ser criados.
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Época negócios: O que a IBM tem feito nessa área?
Ana Paula: Temos o We are Learning, que é uma plataforma que desenvolvemos e agora estamos colocando à disposição do mercado. É um conjunto de práticas, metodologias, e vem muita analítica e inteligência artificial para ajudar esses profissionais a entenderem onde eles estão e para onde eles tem que ir, e qual é a jornada de treinamento que eles precisam fazer. Nessa plataforma, há uma série de algoritmos que ajudam os profissionais a entender quais treinamentos precisam fazer para avançar. Todo ano, os funcionários da IBM precisam fazer, no mínimo, 40 horas de treinamento, a depender da área onde atuam. Um profissional técnico teria que ter maios ou menos o dobro. Com isso, você tem tudo em um portal só: onde você está, para onde você tem que ir, qual o treinamento que você tem que fazer, quais são os certificados, e eu, como gerente, consigo ver isso para toda a minha equipe. E a gente consegue hoje ver para a América Latina inteira como está a minha equipe em relação a preparo para os hot skills, as strategic skills, e por aí vai.
Época negócios: Como as empresas estão recebendo essa nova solução? A procura tem sido grande?
Ana Paula: O feedback é muito positivo, mas há desafios. Tem muita questão cultural ainda para ser ajustada nas empresas para que elas possam se adaptar a esse tipo de jornada, porque isso requer muito mais abertura, muito mais transparência, o uso de analítica em RH é absolutamente fundamental para que esse tipo de iniciativa voe bem. Tem alguns pré-requisitos que você precisa preencher para poder ter acesso a esse tipo de tecnologia e abordagem, mas de uma maneira geral, a gente lançou a unidade de negócio porque a gente começou a ouvir muita demanda. Devemos lançar essa solução na América Latina nos próximos meses.
Época negócios: No futuro, todo mundo precisa saber tecnologia? Todo mundo precisa saber programar?
Ana Paula: Sim. Eu acho que sim, ainda que seja para tarefas simples. Eu costumo dizer o seguinte: todos nós, em algum momento, tivemos que aprender a usar uma calculadora. Todos nós em algum momento tivemos que sair da máquina de escrever para o editor de texto. A inteligência artificial vai ser uma ferramenta que vai te ajudar a fazer o seu trabalho. Eu não diria tanto a questão da codificação em si, mas entender como a tecnologia vai auxiliar a ser mais eficaz na sua profissão, para mim é o que vai determinar o que vai determinar o sucesso de um profissional no futuro. Eu realmente acredito que oportunidades vão existir, a questão é o quanto as pessoas vão estar dispostas a abrir mão de fazer as coisas da forma como elas estavam acostumadas a fazer e abraçar esse novo mundo, esse novo conjunto de tecnologias que certamente, se usadas bem, vão tornar a vida muito mais produtiva.
Época negócios: É muito comum ouvir de executivos é que as empresas grandes precisam saber atuar como startups. Você concorda com isso?
Ana Paula: Eu acho que isso é desejável, mas não acho que seja algo viável. As grandes empresas já têm bases de clientes enormes, responsabilidades societárias gigantes, respondem a reguladores. Então, num ambiente desse dizer que vai operar como startup é um pouco utópico. O que você tem que fazer é identificar quais são as áreas de inovação em que sua empresa vai querer apostar e criar dentro dessas células uma cultura ágil, uma cultura de startup. Mas dizer que a empresa toda vai operar como uma startup é um sonho ainda muito distante da realidade. Encontrar esse equilíbrio entre onde dá para fazer a cultura ágil e onde eu tenho que manter minha estrutura tradicional é o grande desafio que as empresas têm hoje.
Época negócios: Como é isso na IBM?
Ana Paula: Quando lançamos a unidade de Watson, por exemplo, em 2012, ela era estruturada como uma startup. Na época, a IBM aportou US$ 1 bilhão de dólares nessa unidade, que tinha a missão de construir todo um ecossistema novo, desenvolver todo o portfólio de oferta. Essa capacidade de enxergar onde há uma iniciativa que eu tenho que tratar como startup talvez seja o grande pulo do gato.
Época negócios: Hoje, essa separação do Watson se manteve?
Ana Paula: Não, depois que a divisão fez seu primeiro lançamento, você faz o scale up. O Watson passou a ser pervasivo em diversas unidades de negócios da IBM, tanto que a gente não reporta um resultado de Watson, tenho Watson nos meus produtos de software, na parte de transformação dos meus serviços, vendo APIs de Watson, virou uma tecnologia que se estendeu por todo o portfólio da companhia.
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Época negócios: Como a IBM escolhe em quais tecnologias apostas? Como no caso do inteligência artificial ou blockchain, normalmente são tecnologias cujo tempo de desenvolvimento tende a ser longo.
Ana Paula: O blockchain foi uma iniciativa que a gente lançou há aproximadamente dois anos, agora é que a gente começa a ver a formação as grandes redes, com food traceability, ou o crossboarder payment, que lançamos em 72 países há mais ou menos um mês. Agora que essas redes começam a ganhar escala, maturidade, volume de transação. É preciso ter essa percepção de que está dando um tiro que ainda é muito distante, mas tem que manter a consistência e foco, que tem clareza de que essa é a direção que a empresa tem que tomar, senão a chance de você abandonar as iniciativas no meio do caminho é grande.
Fonte: “Época negócios”