Foto: Isac Nóbrega/PR
Há certo consenso que as relações Executivo-Legislativo sob Bolsonaro têm se dado em um novo padrão: em vez de propalada expansão do poder presidencial em um governo iliberal, observamos sua redução.
Há duas questões inter-relacionadas: ocorreu transformação (estrutural ou cosmética)? O que a causou? A chave para ambas é a excepcionalidade das circunstâncias da ascensão de Bolsonaro: uma tempestade perfeita resultante da conjugação de escândalo ciclópico de corrupção e crise econômica inédita. Como consequência a corrupção substituiu as questões redistributivas e de inclusão como eixo vertebrador da disputa política.
O cataclismo levou ao impeachment, à destruição das reputações das principais lideranças e à proibição do financiamento empresarial de campanhas. Como consequência, os fatores decisivos para as eleições no passado —financiamento de campanha, tempo de TV, tamanho das alianças— perderam importância, e permitiram que um outsider brandindo bandeiras novas —corrupção e segurança— se tornasse politicamente viável.
Sem coalizão formal de apoio, Bolsonaro se enfraquece, mas o que é mais relevante é que não se tornou refém de maioria congressual por estar bem posicionado para jogar um jogo novo —que o cientista político Fernando Limongi chamou de “presidencialismo do desleixo”. Contudo o descaso ou descuido é só aparente: o presidente ganha perdendo. Explico.
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A ascensão de Bolsonaro foi viabilizada pela mobilização frenética de um quinto do eleitorado e o voto útil de eleitores mais ao centro. Isso explica a campanha perpétua junto a este eleitorado. Quando o presidente sem coalizão é derrotado no Congresso em temas comportamentais, vitimiza-se e obtém ganhos junto a estes setores, cujo apoio em 2022 será crucial.
Na agenda econômica, a dinâmica é distinta: Bolsonaro se vale de expressiva maioria congressual para sua aprovação, para o que contribui o senso de emergência criado pela avassaladora crise dos estados.
Surge assim um novo equilíbrio que permite ao Executivo apresentar propostas do tipo pegar ou largar, o que lhes confere vantagem estratégica. Mas a Presidência perdeu institucionalmente com o Orçamento impositivo e —mais importante— o fundo bilionário de campanhas. Com eles, o Legislativo se autonomiza vis-à-vis o Executivo, e isso é inédito.
O equilíbrio ancorado em um Executivo fraco, mas sem ingovernabilidade, não tem precedentes. No passado, a ingovernabilidade levou à delegação de poderes ao Executivo materializada na Constituição de 1988. Apenas uma paralisia decisória com crise econômica e deterioração fiscal poderá reverter a tendência.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 20/1/2020