“O passado nunca foi, o passado continua”, afirmou Gilberto Freyre no plenário da Constituinte de 1946. Podemos parafraseá-lo dizendo que o presidencialismo de coalizão nunca foi, ele continua.
No presidencialismo de coalizão, o executivo pode recorrer —na barganha com os partidos de sua congressual— a instrumentos diversos de sua caixa de ferramentas, entre os quais destaca-se o compartilhamento do portfólio ministerial.
Isto é quase universal em contextos multipartidários, embora a literatura registre governos minoritários que contam apenas com o apoio tácito de partidos que não passam a integrar o governo.
No Brasil, a regra tem sido não só a distribuição de ministérios, mas o crescimento exponencial desses, como parte da formação de coalizões superdimensionadas, heterogêneas e hiperfragmentadas.
O número de ministérios passou de 12 para 39, de Collor a Dilma. Apenas a Índia (governo Modi) ostenta coalizão maior que as brasileiras sob Dilma (lá são 35 partidos, dos quais 11 são nacionais e 24 provinciais).
Dado o efeito incremental da reforma eleitoral, a fragmentação só cairá ao longo dos próximos anos; o que muda radicalmente é a redução do número de ministérios e o aumento dos ministros técnicos e militares.
O processo está em curso, mas, ao lado do número expressivo de ministros (11 da cota pessoal do presidente), já foram anunciadas pastas com representantes do MDB, Democratas, PRP, e PSL, correspondendo a 119 cadeiras.
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A taxa de coalescência, medida como a proporcionalidade entre bancadas e ministérios, não parece que vai destoar daquela de alguns governos anteriores, tais como Collor e Lula 1.
Outra mudança —iniciada já no governo Temer— refere-se à heterogeneidade ideológica, que se reduz significativamente. Parceiros da coalizão sob os governos do PT cobriam todo o espectro ideológico, sugerindo cooptação e oportunismo, engendrando cinismo cívico.
As megacoalizões também se refletiam no tamanho do ministeriado e em suas proporções dantescas, encontradas em alguns países africanos (80 no Quênia e 63 em Camarões).
Osvaldo Trigueiro notava, já em 1953: “como nenhum partido está em condições de eleger presidentes, senadores, governadores e prefeitos, as coligações de partidos, dando lugar às mais variadas, imprevistas ou mesmo absurdas combinações, tornam-se não apenas prováveis como imprescindíveis”.
Coalizões decorrem da representação proporcional: não há nada inexoravelmente antirrepublicano, o compartilhamento de portfólios é instrumento clássico de formação de governos. Por que degeneraram em “absurdas combinações” corruptas é outra questão.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 03/12/2018