O temor do ministro Marco Aurélio Mello de que uma convulsão social ocorresse devido à prisão do ex-presidente Lula, o que não aconteceu, transfere-se agora para uma medida que o próprio ministro pretende patrocinar, levando o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgar amanhã a mudança da jurisprudência que permite a prisão em segunda instância.
A consequência de uma eventual decisão nesse sentido, quatro dias depois da prisão do ex-presidente, será a descrença na Justiça, em consequência da insegurança jurídica que uma mudança de posição acarretará menos de seis dias depois de ter sido negado no Supremo o habeas corpus de Lula, justamente para manter a jurisprudência aprovada em 2016.
Mais ainda, se juntarmos o fim da prisão em segunda instância com o fim do foro privilegiado, que já tem maioria de oito votos no Supremo e foi liberado para votação depois de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, teremos a tempestade perfeita a favor dos condenados e investigados.
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Todos os processos dos políticos e outras autoridades com foro especial passariam à primeira instância, e seguiriam o longo trâmite de recursos sobre recursos até chegarem novamente ao Supremo Tribunal Federal, e provavelmente prescreveriam pelo caminho devido à idade da maioria dos envolvidos, uma geração política que precisa ser renovada, mas tenta manter seu poder intacto devido a esse grande acordo suprapartidário que ficou imprescindível para eles depois que o ex-presidente Lula foi para a prisão, anunciando que a lei é realmente para todos.
O ministro Marco Aurélio Mello, vencedor em 2009, quando o STF decidiu que a prisão só pode ser feita depois do trânsito em julgado do processo, e vencido em 2016, quando o Supremo retornou à jurisprudência anterior que permite a prisão em segunda instância, pretende apresentar uma liminar à mesa pedindo para que se coloque em votação uma ação que determina a suspensão de todas as prisões até que as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), que tentam fazer valer o trânsito em julgado como marco para a prisão de um condenado, sejam apreciadas pelo plenário do Supremo.
Se for aprovada a liminar, estarão soltos não apenas Lula, como José Dirceu, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e Eduardo Azeredo, e envolvidos em outras operações como a Zelotes, que investiga fraudes fiscais e previdenciárias na Receita Federal, ou ainda traficantes, estupradores e outros tipos de criminosos. A medida é tão inconsequente que é difícil imaginar que a maioria do plenário a aprove, apesar de as negociações nos bastidores estarem acontecendo freneticamente em Brasília.
A ministra Rosa Weber, em seu voto sobre o HC de Lula, firmou uma posição que deveria ser seguida pela maioria: “(…) a meu juízo, a imprevisibilidade por si só qualifica-se como elemento capaz de degenerar o direito em arbítrio. Por isso, aqui já afirmei, mais de uma vez, que compreendido o tribunal, no caso o Supremo Tribunal Federal, como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência. Como tampouco, o são, acresço, razões de natureza pragmática ou conjuntural”.
E citou o jurista americano Frederick Schauer: “esperase que um tribunal resolva as questões da mesma maneira que ele decidiu no passado, ainda que os membros do tribunal tenham sido alterados ou se os membros dos tribunais tenham mudado de opinião”. Ela argumentou em defesa da colegialidade que: “(…) vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz institucional objetiva, desvinculada, das diversas interpretações jurídicas colocadas na mesa para deliberação. Essa compreensão tem sido endossada por expressivos doutrinadores brasileiros, dedicados ao estudo do processo constitucional”.
No voto do ministro Luís Roberto Barroso, ele justificou a “mutação constitucional” ocorrida em 2016, que mudou a decisão do STF em 2009 a favor do trânsito em julgado, pelos “impactos negativos produzidos pelo entendimento anterior”. E citou como exemplos: a) Poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios; b) Reforço à seletividade do sistema penal, tornando muito mais fácil prender menino com 100 gramas de maconha do que agente público ou privado que desvie 100 milhões; c) Descrédito do sistema de Justiça penal junto à sociedade, pela demora na punição e pelas frequentes prescrições, gerando enorme sensação de impunidade.
Essas condições não estariam presentes hoje. Ao mesmo tempo, os deputados se movimentam para fazer um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que defina a questão, reforçando o entendimento de que o cumprimento da pena só pode acontecer após o trânsito em julgado da condenação. Se o STF não resolver a questão, os deputados prometem fazê-lo. Mas vão aguardar o fim da intervenção na Segurança do Rio, pois nesse período não pode haver mudança na Constituição, ou, mais importante para eles, o fim da eleição. Seria um suicídio apresentar-se ao eleitor tendo aprovado uma legislação que favorece a impunidade dos poderosos.
Fonte: “O Globo”, 10/04/2018