O futuro será sempre igual ao passado… salvo se for diferente. Mesmo quando parece diferente, as raízes já estão no presente. O presente de hoje é o passado de amanhã. De repente, algo acontece (esquecemos que, no tempo da História, um ou dois anos são de repente). Falta enxergar.
No 11 de Setembro o mundo ficou pasmo. Telefonou-me uma amiga e disse que ligasse a TV. Quando vi o choque do segundo avião (ficou claro que era ataque, e não acidente), meu primeiro pensamento foi: mas, certamente, nos milhares de reuniões de segurança, alguém deve ter falado nisso, uma bomba é desnecessária quando o avião é a bomba. O fenômeno chama-se groupthink. Reuniões são dominadas pelos paradigmas existentes. Hipóteses que fogem muito a eles são desconsideradas. Por isso reuniões produzem muitas bobagens.
Eu não estava errado. Mais de um ano depois, uma agente do escritório de Minneapolis do FBI levantou essa lebre: contou que as evidências existiam e o tema havia sido proposto, mas a discussão não prosperou.
Muito antes, em 1994, se não me engano, rebeldes argelinos sequestraram um avião na rota Argel-Paris para jogá-lo contra a Torre Eiffel. Pensaram (certo) que o avião chegaria a Paris já com os tanques vazios. Resolveram pousar em Marselha para reabastecer (errado). Ao pousar, ignoraram que o paradigma vigente estava preparado para não deixar decolar um avião sequestrado. Foram presos.
As recentes rebeliões populares no Azerbaijão, no Chile, na China, na Espanha, nas Filipinas, na Grécia, na Indonésia, em Israel, em Portugal, no Reino Unido, na Rússia, na Tailândia, no Bahrein, no Egito, na Jordânia, no Marrocos, na Líbia, na Síria, na Tunísia e no Iêmen causam perplexidade, mas todas têm uma coisa em comum: com o progresso tecnológico e um período de crescimento mundial razoavelmente bom até 2008, muita gente começou a subir a longa e penosa escada da ascensão social. As políticas específicas que permitiram isso foram diversas, mas ocorriam em todos esses países, e em mais alguns (como o Brasil), mais ou menos ao mesmo tempo.
Todo mundo resolveu rebelar-se. Por quê? As tecnologias de comunicação moderna permitem mobilização rápida. Em 2008 as redes sociais divulgaram a campanha de Barack Obama. Em 2011 mobilizaram massas para protestos. Serão gastas muitas letras para tentar explicar por que tanta gente em tantos lugares, quase ao mesmo tempo, resolveu rebelar-se.
Os sinais já estavam lá. O futuro já existia, a dificuldade era enxergá-lo por falta de paradigma. A televisão (aberta, a cabo ou no ciberespaço) e as redes permitiam conhecimento e comunicações instantâneas. Todos os que queriam saber o que estava acontecendo tinham notícias em tempo real. Como prever que isso iria acontecer? Olhando as raízes.
Isso é mais ou menos como olhar uma foto publicada para mostrar uma coisa e ficar tão pregado no centro da imagem que não se vê o que está em volta. Há uma foto clássica do presidente Truman que mostra a manchete do Chicago Daily Tribune dizendo que seu opositor tinha ganho. A notícia fundamentou-se em projeções baseadas em pesquisas que, afinal, se provaram erradas.
Já fiz o teste com grande número de audiências: mostro a foto e pergunto o que há de importante nela. A maioria das pessoas só vê a manchete com a notícia errada, o microfone e Truman rindo de orelha a orelha. Poucos são os que “veem” que lhe falta um dente. É um detalhe, mas que nos conta muito sobre a sociedade americana. Na década de 1940 era possível ser eleito presidente dos EUA sem ter um dente. Já imaginaram Obama, Bush, Gore ou Clinton banguelas, fazendo campanha?
A dificuldade de ver o contexto prejudica a percepção. Foram uma grande surpresa os protestos na Inglaterra (e olhe a Olimpíada a menos de um ano) porque as pessoas estavam focadas na porção errada da foto. A ascensão social já estava travada.
No Brasil, o governo já começa a anunciar que a crise de 2011 pode obrigar-nos, todos, a apertar o cinto (nisso o presidente Lula nem tão errado estava em 2008 ao dizer que a primeira crise era uma marolinha). Lula fez como na anedota: mandou a primeira notícia dizendo que “o gato subiu no telhado”. No País, dependerá de quantos furos haja necessidade de apertar. Todas as pessoas que já mudaram de classe e seguem mudando terão sua subida barrada. E isso pode explodir.
Na Venezuela, Hugo Chávez está em tratamento de câncer. Que resultado poderá ter sua eventual morte? Como reagirão os que estão subindo? Na Colômbia, a valorização do ouro transformou-o no mais importante produto do país, desbancando a droga. No Chile, a democracia de esquerda, que manteve o livre mercado e o sistema capitalista, também enfrenta protestos. Na Bolívia, como reagirão todos os que depositam esperanças (não importa se verdadeiras ou não) em Evo Morales? E em Cuba, que acontecerá quando Fidel morrer? Raúl Castro está avisando que o “gato subiu no telhado”, flexibilizando algumas regras de ouro do comunismo arcaico da ilha, mas pode ser que a velocidade seja insuficiente.
Essas são algumas das coisas que, quando surgirem, poderão aparecer como surpresas, mas o mundo já mudou. O futuro será igual ao passado, que já é hoje. Culpa nossa, que não vemos que falta um dente no presidente Truman ou que não é preciso uma bomba para cometer um atentado como o de 2011, quando as pessoas percebem que o avião com os tanques cheios é a bomba.
Os pobres já se acostumaram, em muitos países, com a ideia de que podem melhorar de vida e subir na escala social. O futuro será igual ao passado, que já é hoje, e não precisamos de muitas explicações sociológicas para concluir que uma das maiores razões da raiva humana é a frustração de expectativas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/08/2011
À maioria falta conhecimento histórico e boa memória para entender que os fatos são repetitivos. Portanto, os alertas dos gurus são inúteis. Funciona como se as pessoas precisassem pular na fogueira para comprovar que o fogo é quente e queima…