Em recente mesa-redonda organizada pelo Instituto FHC para discutir o papel do Brasil na América do Sul foram ressaltados, entre outros aspectos, a inexistência de uma estratégia mais clara e ambiciosa do Brasil e a perspectiva de que uma evolução inercial do relacionamento leve à redução gradual do peso da região na agenda de política externa.
Não se pode examinar a relação do Brasil com a América do Sul sem levar em conta a crescente presença econômica e comercial da China (principal parceiro comercial do Brasil e de diversos outros países) e seu impacto sobre as ações políticas e econômicas do Brasil na região. Em trabalho recente sobre as relações entre a América Latina e a China na primeira década do século XXI, o BID mostrou que os países latino-americanos tiveram uma visão romântica das vantagens do intercâmbio com o país asiático. Apenas soja, ligas e minério de ferro respondem por 57,8% de tudo o que é vendido à China. Em 2010, foram investidos mais de US$50 bilhões na compra de minas, de minério de ferro, poços de petróleo, empresas e terras, sobretudo na América Latina e na África. Os investimentos e as exportações chinesas na região passaram a competir com empresas brasileiras e começam a ganhar mercado até aqui explorados pelo Brasil. O Brasil, dessa forma, não terá alternativa, senão focalizar a China como competidora no mercado interno e no regional, deixando de lado a visão ingênua do começo da década, exemplificada pela concessão do status de economia de mercado à China.
Embora a América do Sul seja a principal prioridade da política externa e a integração regional nela ocupe um papel central, o Brasil não está aproveitando o bom momento por que passa a economia da região para ampliar sua presença econômica e comercial.
A estagnação do processo de integração, inclusive com as dificuldades institucionais do Mercosul e a instabilidade das regras em muitos países da região, além das oportunidades abertas pela crise econômica na Europa e nos EUA, explicam, em grande parte, a relativa perda de interesse do Brasil nos últimos anos, apesar da retórica oficial em sentido contrário.
No complexo quadro de transição que a região atravessa, impõe-se, como interesse brasileiro, uma visão estratégica de médio e longo prazo que poderia incluir:
Negociar a ampliação dos acordos bilaterais com todos os países sul-americanos, garantindo aos nossos vizinhos ampla abertura do mercado brasileiro.
Negociar acordos de garantia de investimentos para proteger as empresas nacionais e de bitributação para facilitar nossa penetração nos mercados da região.
Manter a prioridade do processo de integração regional, com atenção especial para a infraestrutura, a energia e o intercâmbio comercial e retomar projetos de construção de rodovias e ferrovias, estratégicos para permitir que as exportações de produtos brasileiros para a Ásia saiam a partir de portos do Peru e do Chile.
Manter o apoio ao Mercosul, como um processo que a longo prazo levará a uma crescente integração comercial dos países do Cone Sul. Para beneficio de todos os países membros, a decisão que determina que os membros do Mercosul negociem acordos comerciais com uma única voz, deveria ser flexibilizada para permitir que cada país possa negociar individualmente sua lista de produtos. A equivocada entrada da Venezuela é uma questão de tempo e uma avaliação objetiva sobre seus efeitos é muito difícil de ser feita hoje.
O crescente peso econômico do Brasil na América do Sul (mais de 55% do PIB regional) e no contexto global, além da intensa participação nas discussões sobre temas globais e no grupo dos Brics, exigirão do Brasil definição clara de nosso interesse e respostas rápidas e transparentes aos desafios apresentados pelo novo quadro político na região.
Mesmo que a economia continue a crescer a altas taxas de maneira sustentável nos próximos anos, a expansão do Brasil para além da América do Sul não deveria reduzir o nosso interesse – em novas bases, é verdade – pelo mercado regional, que representa mais de 350 milhões de consumidores.
Fonte: O Globo, 26/07/2011
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