O ano era 1973 e o Brasil convivia com o efeito devastador da primeira crise do petróleo. Numa espécie de punição ao apoio dos Estados Unidos a Israel, na guerra do Yom Kippur contra Egito e Síria, a OPEP elevou o preço do barril em quase 300% no espaço de algumas semanas.
Era preciso reduzir as importações. A saída de emergência foi a elevação do preço da gasolina. Isso diminuiria o consumo e, por consequência, a necessidade de importações.
Para dar certo, a tática exigia sacrifícios adicionais. Se o preço da gasolina constasse dos índices que alimentavam o cálculo da inflação (que era a base dos reajustes de salários), a medida perderia efeito.
Com mais dinheiro, as pessoas voltariam a consumir gasolina e o esforço de conter as importações iria por água abaixo. Era preciso, portanto, não incluir aquele aumento no cálculo da inflação. A proposta foi comunicada à imprensa.
No dia seguinte, o então ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto estava em seu gabinete quando entra o secretário-geral José Flávio Pécora com os jornais do dia. Ali estava escrito que a gasolina seria “expurgada” do cálculo da inflação.
“Perdemos a guerra”, disse Delfim a Pécora. A palavra “expurgo” era forte demais. E mesmo com a imprensa censurada da época tinha o poder de torpedear as possibilidades de sucesso da ideia.
Ontem, da redação do “Brasil Econômico”, Delfim relembrou essa história para dizer que certas palavras têm o peso de destruir boas ideias.
Assim como a simples menção ao “expurgo” eliminou a possibilidade de execução daquela ideia, a palavra “reforma”, de tão desgastada que está, pode ser suficiente para impedir a tomada de algumas providências necessárias para o avanço do país.
Segundo o professor, ninguém deve esperar, por exemplo, uma alteração profunda na política fiscal. Em primeiro lugar porque a própria Constituição Brasil tem tantas exigências de gastos que isso praticamente impede uma redução drástica na carga tributária.
Esse fato, que é real, não significa que uma mudança na ordem tributária não seja imprescindível. O sistema fiscal brasileiro é repleto de distorções. Ele é regressivo, pesado e desestimulante da produção.
O governo, segundo Delfim, enxerga isso e vai tentar reduzir as taxas. Mas se resolver dar a essas mudanças o nome de reforma estará reduzindo a chance de que a ideia prospere.
Ninguém deve confundir as desonerações das folhas de pagamentos de alguns setores industriais promovidas recentemente pelo governo com as mudanças profundas de que o país necessita.
As desonerações, segundo Delfim, foram medidas emergenciais tomadas como resposta ao péssimo desempenho da indústria no ano passado. Por si só, elas não resolvem o problema, mas ajudam.
A redução da apreciação cambial vista nos últimos dias também dará fôlego à indústria. Delfim acredita que haverá medidas tributárias mais profundas, mas que elas não virão em pacotes – justamente para não ser confundidas com uma “reforma”.
A percepção de que essa palavra não ajuda a resolver o problema é interessante. O economista Paulo Rabello de Castro, por exemplo, chama de “realinhamento fiscal” o conjunto de mudanças que ele pretende propor no sistema.
Pode ser um truque. Mas se ajudar a resolver o problema, por que não utilizá-lo?
Fonte: Brasil Econômico, 10/05/2012
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