Aos poucos, a economia brasileira vai saindo da crise de 2014-16. A retomada será lenta e difícil, por conta do tamanho da recessão, do alto desemprego, e de outras heranças do governo anterior: a crise dos Estados, o elevado endividamento e a má alocação de capital incentivada pelas políticas associadas à Nova Matriz Econômica.
O PIB deve crescer neste primeiro trimestre, contra o último de 2016, acelerando ao longo do ano, para fechar 2017 com alta anualizada de 2,5%. A inflação vai seguir em baixa, abrindo uma larga avenida para a queda dos juros. O mercado de trabalho deve reagir em meados do ano, com alta do emprego e da renda, inclusive por conta do aumento real do salário mínimo.
A boa gestão da política econômica, a aprovação do teto de gastos e a perspectiva de que o Congresso aprove a reforma da Previdência foram decisivos para elevar a confiança e viabilizar a retomada do crescimento. Outros fatores também vão ajudar: a liberação do FGTS vai aquecer um pouco o consumo das famílias e a excelente safra agrícola vai elevar o PIB do setor e de outras atividades na sua cadeia, como a produção de máquinas agrícolas, o processamento de grãos e o transporte de carga. A boa safra também vai puxar a inflação para baixo, via preço de alimentos, e elevar a renda na área rural, com impacto sobre o consumo.
Por fim, há a melhora no ambiente externo. Há duas boas notícias a destacar: a forte alta no preço das commodities e o aumento do apetite dos investidores por ativos de risco, incluindo os de países emergentes. Juntos, esses dois fatores melhoraram as contas externas, derrubaram nosso prêmio de risco país, puxaram o dólar para baixo e levaram a bolsa para cima, melhorando a confiança, beneficiando setores produtores de commodities, barateando o financiamento às empresas e facilitando a derrubada dos juros pelo Banco Central.
A contribuição dessa melhora do ambiente externo para nos tirar da crise não deve ser menosprezada. O preço das nossas exportações, em dólar, subiu 12% ao longo de 2016, enquanto o prêmio de risco país, medido pelo CDS de 5 anos, caiu de 4,8 pontos percentuais (pp) em fevereiro de 2016 para 2,3 pp um ano depois. Em paralelo, o real apreciou 32% nos 12 meses até janeiro de 2016 (taxa de câmbio efetiva real).
É uma melhora notável, não só por sua magnitude, mas também porque não era isso o que se previa acontecer. Pelo contrário, a expectativa era de que a eleição de Trump seria ruim para os mercados emergentes. De fato, na reunião do Copom de fins de novembro de 2016 o Banco Central observou que, no “âmbito externo, o cenário apresenta-se especialmente incerto … (com)… o possível fim do interregno benigno para economias emergentes”.
Previa-se então que a combinação de um forte estímulo fiscal, em uma economia com baixo desemprego, com aumento do protecionismo elevasse a inflação, puxando os juros nos EUA para cima e valorizando o dólar, especialmente em um contexto de juros superbaixos na Europa e no Japão. Isso provocaria a desvalorização das moedas de países emergentes, pressionando a inflação e colocando em risco a saúde das empresas com elevado endividamento em dólar. Era o caso da Petrobras, por exemplo. Além disso, o protecionismo iria prejudicar economias como a China e o México, com repercussões para outros emergentes.
Porém, parafraseando Mark Twain, vimos que as notícias sobre a morte do “interregno benigno” mostraram-se grandemente exageradas. O que aconteceu?
Duas narrativas tentam racionalizar porque o “interregno benigno” não foi embora. Uma é que a implementação das políticas de Trump está difícil na prática, em especial na área de comércio exterior. A mudança de postura quanto à China seria um exemplo disso. Uma visão mais cínica é que os investidores estão simplesmente se agarrando às “boas” promessas e propositalmente esquecendo as “ruins”. A escalada na bolsa americana, puxada pelas promessas de corte tributário e desregulamentação seria consequência disso. E esse renovado apetite pelo risco estaria tornando os ativos em países emergentes mais atrativos em termos relativos.
A outra narrativa foca no sucesso dos programas de estímulo fiscal e creditício adotados na China a partir da virada de 2015 para 2016, que conseguiram acelerar o crescimento e reduzir o risco de deflação. O fato de essa retomada ter sido puxada pelas indústrias de transformação e construção ajudou, junto com cortes na oferta, a puxar a demanda e os preços das commodities para cima. A Europa e os Estados Unidos também dão sinais de que estão acelerando o crescimento, com inflação em alta, e isso tem animado os investidores, independentemente do que acontece com Trump.
Os investidores hoje demonstram grande apetite por investir em países emergentes e o Brasil tem se destacado. Tomara que continue assim. Mas não custa lembrar que mudanças de humor são comuns nessa área, que o governo Trump está apenas começando e que muita coisa ainda pode mudar nos EUA.
Fonte: “Valor econômico”, 3 de fevereiro de 2017.
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