O PAC 2 é parte de um projeto de poder, não de um plano de governo. O cenário mais adequado para sua apresentação só poderia ser, nesta altura, um comício a favor da candidata Dilma Rousseff, escalada para fazer a ponte até o terceiro mandato oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sendo basicamente um instrumento de campanha, o “programa” é subordinado à lógica do realismo político, não do realismo econômico ou administrativo. Seus autores projetam investimentos de R$ 220 bilhões financiados pelo Tesouro nos quatro anos do próximo governo. Isso equivale a cinco vezes o valor aplicado com recursos do Orçamento até 19 de março deste ano, desde o lançamento do PAC, em 2007. O levantamento foi divulgado ontem pela ONG Contas Abertas, especializada no acompanhamento das finanças públicas.
Para alcançar esse desempenho, a administração petista, presumivelmente comandada pela mãe do PAC, teria de exibir uma competência nunca demonstrada até hoje. Isso seria bem mais do que a revolução ainda pregada por uma parcela da esquerda brasileira. Seria uma transubstanciação nunca imaginada por um religioso ou por um alquimista.
A candidata do presidente Lula acusou o governo anterior de haver instalado um Estado omisso, pior que um Estado mínimo, e de haver rejeitado o planejamento estratégico. Segundo a ministra Dilma e vários de seus companheiros, incluído o presidente Lula, o planejamento foi reabilitado na gestão petista. Pessoas puras poderão até acreditar nisso. As demais tentarão encontrar alguma prova dessa afirmação. Perderão tempo e esforço.
Não houve, nos últimos sete anos, o menor sinal de elaboração de algum plano de desenvolvimento. Também não houve a mínima demonstração de competência gerencial, como se pode verificar, facilmente, pelos dados de investimento, pelo emperramento dos projetos de infraestrutura e pela escassez de inovações institucionais. Não custa lembrar: dos R$ 256,9 bilhões investidos no PAC, até dezembro, R$ 137,5 bilhões corresponderam a financiamentos habitacionais para pessoas físicas.
Os investimentos das estatais dependeram até agora quase exclusivamente da Petrobrás e o quadro apresentado no PAC 2 não é muito diferente. Estão previstas aplicações de R$ 879,2 bilhões no setor de petróleo e gás. Isso equivale a 55,3% do total projetado de R$ 1,59 trilhão. Para o período de 2011 a 2014, o valor estimado para petróleo e gás, R$ 285,8 bilhões, corresponde a 29,8% de todo o investimento listado pelo governo. Mas a proporção efetiva será, quase certamente, bem maior, se a diferença entre a eficiência da Petrobrás e a do resto da administração federal continuar tão ampla quanto tem sido até agora. Se dependesse da qualidade gerencial do PAC, a Petrobrás estaria emperrada e os avanços na área do pré-sal teriam sido muito menores do que foram até agora.
A descoberta do pré-sal e os passos iniciais para sua exploração resultaram de programas de investimento iniciados há muitos anos pela empresa, muito antes de o governo petista decidir usar a estatal como instrumento de seu projeto de poder. Outras estatais, como as do setor elétrico, também foram instrumentalizadas, mas com resultados de outro tipo. Serviram principalmente para o loteamento político da administração federal. Foram disputadas abertamente pelos aliados do presidente Lula, e ele sempre reagiu como se grandes estatais tivessem um único valor estratégico: servir aos objetivos do jogo político.
Planejamento econômico é outro assunto. Envolve a definição de objetivos, a identificação de gargalos, a seleção de prioridades e, naturalmente, a identificação das fontes de recursos. Qualquer semelhança entre os PACs e esse padrão de planejamento é quase nula e só é identificável com uma dose notável de boa vontade. Mas, como o objetivo do PAC 2 é muito mais eleitoral do que econômico, seus autores podem recheá-lo de acordo com seu arbítrio e sua imaginação. Se a mistificação colar, ótimo para eles. Uma parte do eleitorado será vulnerável, com certeza, a essa conversa. O governo poderá, se quiser, invocar o nome de Juscelino Kubitschek para valorizar seu pacote de promessas. Quantas pessoas, hoje, têm alguma ideia, mesmo vaga, das características do Plano de Metas? Ou de qualquer outro plano produzido, neste país, com alguma competência técnica?
“O PAC”, segundo o material divulgado na segunda-feira em Brasília, “é o maior projeto estratégico já feito no Brasil e está mudando o jeito de planejar e executar os investimentos.” Há nisso alguma verdade: investimentos nunca foram tão mal planejados e executados, como provam os baixos números de realização do primeiro PAC. Como 54% dos projetos do PAC 1 continuavam no papel em dezembro, o novo programa é formado, em boa parte, de promessas formuladas e não cumpridas nos últimos anos. Também de acordo com esse material, o PAC “ajudou o País a enfrentar a crise internacional de 2008/2009”. E mais: “Enquanto outros países tiveram de mobilizar investimentos públicos para gerar empregos, o Brasil já estava com as obras planejadas e em andamento.”
Mas também essa história está muito mal contada. Dos R$ 103,7 bilhões investidos pelo setor público federal, em 2009, 68,9% foram aplicados pelas estatais. O Grupo Petrobrás forneceu 87% dessa fatia. Sem essa parcela, pouco sobraria do PAC e dos investimentos antirrecessão. Mas quem se importa, no governo, com detalhes desse tipo? Dos R$ 32,2 bilhões investidos com recursos do Tesouro, no ano passado, boa parte correspondeu, como tem sido normal, a restos a pagar, dinheiro empenhado mas não desembolsado em exercícios anteriores. Se houve alguma ação anticrise, no Brasil, foi principalmente a expansão dos gastos de custeio, mas isso não teve nenhuma relação com estratégia macroeconômica.
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