* com Bruno Pascon
Em julho, o Ministério de Minas e Energia colocou em consulta pública a minuta do relatório do Plano Nacional de Energia (PNE 2050). O documento, elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vem resgatar o planejamento de longo prazo do setor de energia que estava paralisado desde a publicação do PNE 2030, em 2007. O PNE 2050 visa nortear as decisões de política energética a partir de uma visão estratégica e de longo prazo.
O PNE 2050 chega em um contexto de grande imprevisibilidade, imposta pela pandemia da covid-19. No entanto, o relatório considera que há motivos que tornam válido o debate em torno de uma agenda estratégica para o setor energético no atual momento. Entre as premissas adotadas no documento estão o caminho da transição energética, as mudanças climáticas, a descarbonização e a modernização ao lado da expansão tradicional do setor energético brasileiro.
O documento conta com 2 cenários base, tomando como referência o ano de 2015. O 1º cenário, chamado de “Desafio da Expansão”, tem como teor a pressão para expansão da infraestrutura e a oferta de energia, buscando atender um relevante crescimento da demanda. O 2º cenário, denominado “Estagnação”, considera um possível cenário de estagnação futura, com o consumo de energia per capita mantendo-se inalterado ao longo de todo o período. A maior parte do estudo, porém, trabalha com a conjuntura de expansão da demanda.
O foco do relatório é o cenário “Desafio da Expansão”, por impor ao planejador a necessidade de reforçar e aperfeiçoar os mecanismos e as políticas vigentes, como também buscar soluções que permitam o estabelecimento de uma estratégia de expansão de longo prazo do setor energético, de forma a garantir o fornecimento de energia à sociedade até 2050.
O PNE 2050 aborda como premissa principal a questão da transição energética e o avanço da participação das eólicas e solares na matriz elétrica brasileira. Para o PNE, a fonte eólica terá crescimento significativo na matriz durante o período analisado. Nas previsões, a fonte eólica alcançaria de 110 GW a 195 GW em termos de capacidade instalada e de 50 GW a 85 GW médios em termos de energia em 2050. Isso representaria em torno de 22% a 33% da capacidade instalada total ou de 27% a 40% em termos de energia total ao final do período.
Para tanto, o relatório recomenda o aprimoramento do marco regulatório existente, visando à melhoria das condições para o desenvolvimento e investimento em projetos eólicos offshore. Entretanto, não foi realizado estudo de confiabilidade elétrica com o objetivo de verificar os efeitos desta grande expansão de energia intermitente para a segurança elétrica e energética do SIN (Sistema Interligado Nacional). A ausência deste tipo de estudo vem resultando, desde o início da expansão de fontes intermitentes, na ampliação do custo de geração e grande volatilidade do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD).
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Para a fonte solar, o documento, traça um cenário promissor, ainda que em menor proporção ao traçado para a eólica. Com isso, o documento faz uma grande aposta nas fontes renováveis, mas, para total surpresa, não cita as usinas termelétricas (UTEs) a gás natural como instrumento de segurança do sistema elétrico.
No horizonte 2050, o PNE prevê que o petróleo continuará sendo fonte indispensável no Brasil e no mundo, apesar de considerar que o sistema esteja em transformação. O óleo combustível ainda poderá influenciar o preço máximo competitivo do gás natural no Brasil para consumidores industriais no curto a médio prazo, mas a longo prazo os preços nacionais do gás serão cada vez mais influenciados pelas fontes de oferta de gás, seguindo a tendência dos contratos de GNL ao redor do mundo.
Para o gás natural, o relatório prevê que, em 2050, a molécula de gás natural será negociada a partir de diversas origens, com diferentes graus de flexibilidade, liquidez nos contratos e diversidade de agentes. A negociação nos hubs levará em conta diversas fontes de oferta. As principais fontes de oferta serão a produção nacional, o gás importado por meio de gasodutos (principalmente da Bolívia e Argentina) e a importação por meio de Gás Natural Liquefeito (GNL).
Por outro lado, observa-se no PNE 2050 um total descompasso com as expectativas para a integração dos setores de Gás Natural e de Energia Elétrica. Um planejamento de longo prazo, considerando a integração dos setores traria ao setor elétrico a segurança das UTEs inflexíveis a gás, que viabilizaria um melhor gerenciamento do nível de água dos reservatórios das UHEs. Consequentemente, o controle adequado sobre o nível dos reservatórios das UHEs não deixaria o sistema vulnerável às adversidades climáticas, possibilitando o gerenciamento da volatilidade de preços. Além disso, o parque termelétrico existente, por ser predominantemente flexível, gera imprevisibilidade ao setor de gás natural. A insegurança com relação à demanda por gás dificulta a viabilização dos projetos de exploração e produção e de transporte de gás natural, que exigem garantia financeira estável para diluir os investimentos.
Com o novo padrão de expansão da matriz de geração brasileira, o sistema está se tornando dependente de fontes despacháveis, como as térmicas de maior custo. Tal fato resulta na ampliação do custo de geração e grande volatilidade do PLD. O parque térmico brasileiro é majoritariamente composto por unidades flexíveis, que não possuem geração mínima obrigatória. Com as UTEs a gás inflexíveis na base do sistema, o problema da segurança elétrica e energética do sistema e a viabilização de investimentos no gás natural nacional estaria sanado. Deve-se apenas buscar um mix ótimo da expansão de termelétricas flexíveis e inflexíveis.
Além disso, conforme bem ressaltado no PNE 2050, por conta dos altos volumes financeiros, prazos extensos de construção e inúmeras incertezas envolvidas na expansão de gasodutos, o planejamento da malha deveria contribuir para ancorar as expectativas e motivar as decisões de investimento dos agentes por meio de estudos indicativos. Entretanto, nenhuma expansão indicativa é apontada no PEN 2050, o que deixa o documento bastante evasivo para as expetativas dos agentes interessados em investir na expansão da malha de gasodutos.
Por ser um planejamento de longo prazo, o PNE colocado em consulta pública não pode deixar de abordar a interação entre o setor elétrico e o mercado de gás natural. As UTEs a gás inflexíveis na base do sistema promoverão grandes benefícios diretos aos 2 setores e, principalmente, para os consumidores.
Fonte: “Poder360”, 25/8/2020
* Bruno Pascon tem 38 anos, é sócio-fundador e diretor da CBIE Advisory. Bacharel em Administração de Empresas pela Eaesp-FGV (2005), iniciou sua carreira na Caixa Econômica Federal na área de liquidação e custódia de títulos públicos e privados (2004). Foi analista sênior de relações com investidores da AES Eletropaulo e AES Tietê (2005-2007). De 2007 a 2019 atuou como analista responsável pela cobertura dos setores elétrico e de óleo & gás para a América Latina em diversos bancos de investimento (Citigroup, Barclays Capital e Goldman Sachs).