Parte II – A Filosofia da Violência
Radares, bafômetros, câmeras, rastreadores de carros, pessoas e malotes, chaveiros com senhas, frases de segurança, limites para saques, cartão magnético, verificação da digital, leitura da íris, teclados virtuais, códigos de barras, implantes subcutâneos, exame de DNA, reconhecimento de voz, quartos seguros, blindagens, bloqueio de transmissões e freqüências, lacres numerados dos mais variados materiais e tantos outros meios de controlar a segurança das pessoas e de seus bens.
E isso sem falar em ambientes capazes de ler altura, peso, temperatura corpórea, número de pintas na pele e por aí vai.
A ciência em geral caminha, como sempre, e as tecnologias com foco na proteção caminham ainda mais. Não são apenas os passíveis de seqüestros os compradores dos produtos dessa indústria milionária e em crescimento inacreditável. A segurança tornou-se um status, uma possibilidade de ostentar.
Ponto interessante a observar, quando se trata de abordar as questões básicas sobre segurança em termos sociais, a dissimulação é a voz do Estado e a diluição da verdade a voz do marketing.
Uma boa questão sobre o assunto é: qual o motivo dos sistemas de segurança e seus métodos não apresentarem eficiência como se propõem a fazer? Por que algo sempre dá errado?
Por mais que existam presídios de segurança máxima, dentro deles a troca de mensagens entre presos é constante e ininterrupta. Para piorar um pouco mais, a comunicação dos presos com os bandidos que continuam soltos é diária. Trocam idéias, dão relatórios, recebem ordens, e até se divertem à custa das falhas na “segurança” oficial.
Aqui em solo brasileiro, a pergunta já feita por jornalistas sérios continua sem resposta. “Se não existem tomadas nas celas, quem carrega a baterias dos celulares dos presos?” Note-se. Não é nem a questão de quem fornece ao preso o aparelho. É de quem o deixa apto a operar. Nos países mais desenvolvidos, as falhas também existem. Bilhetes, mensagens codificadas e traficadas por visitantes,
Qual seria o melhor argumento para continuar a presente consideração? Falha no sistema estatal? Baixos salários entre os servidores ligados à Segurança Pública? Falta de educação escolar para os mais carentes a fim de que não se tornem delinqüentes? Falta de um conceito razoável e das implementações do que seriam as Políticas Públicas? O tecido social esgarçado desde os golpes latino-americanos iniciados nos idos de 1930 ou da segregação racial e étnica nos demais cantos da Terra acirrados e não findos, no mesmo período?
Quando as respostas não se encontram satisfatoriamente na Psicologia de massa ou na Sociologia, jamais se encontrarão no Direito, na Economia ou na Administração, de forma a extinguir a pergunta. Estão, por certo, na Filosofia.
A perfeição pode ser objeto de desejo. Pode ser uma meta. Pode ser uma exigência própria ou alheia. Independente do que for e de onde vier, ela é impossível aos seres humanos. E por ser impossível, torna-se uma exigência injusta. Dentro dos lares, no âmago da criação dos filhos e netos, a raça humana pratica exatamente o que mais detesta na sociedade. Quer o perfeito, quando ele na verdade não existe. E da frustração advinda desta constatação, a raça humana se corrompe, ou se expõe a tal quadro.
Corrupção e permissividade. Subornos e conluios. Não apenas isso, mas são tais elementos presentes e que ficam sedimentados no indivíduo. Não se trata de exigir a perfeição, mas de se determinar qual o ponto mínimo da imperfeição moral.
Na falta deste ponto mínimo de pensar e se comportar, estabelece-se uma permissividade subconsciente. Os desvios notados nos sistemas macros são assimiláveis e até aceitáveis uma vez que os costumes primários encontram repetições e, portanto justificações, acomodando-se sutilmente.
Apenas para imprimir uma imagem neste ponto crucial, é preciso voltar ao início e ponderar sobre os sistemas falhos de controle: a comunicação entre pares é uma característica inerente às espécies dotadas de raciocínio. Os seres humanos fizeram da comunicação algo que nenhuma outra fez – criaram sinais, signos, símbolos, línguas completas e dialetos, sem falar nas traduções.
Não é justificável que alguns se sintam verdadeiros déspotas ao cortar toda e qualquer comunicação de um ser humano com seus entes queridos? Não seria elevar o sofrimento da confinação ao máximo privar o mero contato entre seres com a mesma formação e origem biológica, para não usar a expressão “filhos de Deus” aos que partilham religiões?
Ocorre que antes de julgar semelhantes, cabe observar as próprias falhas. Falhas, aliás, intrínsecas à espécie como um todo. Nem por isso, podem justificar erros colossais, coletivos ou a falta de respostas verossímeis.
Com foco no exemplo acima, cabe perguntar o que o preso deseja comunicar e para quem deseja comunicar faz toda a diferença. Ainda com tais considerações, o sistema fechado da reclusão, o qual poucos querem pensar, é um sistema de confinamento não apenas para os detentos, mas para quem os guarda também. Não se admire que a sensibilidade esteja refém de um quadro desagradável a qualquer e todo indivíduo envolvido.
Apenas por um instante, junte a tal panorama salários ridículos. Algumas perguntas podem ser facilmente respondidas.
Logo, será tarefa impulsiva somar mais e mais equívocos da humanidade nos destinos da espécie, no destino da história. Por certo, é sempre mais fácil retirar a responsabilidade do presente e remetê-la ao passado ou despachá-la para o futuro.
A sensação de algo está errado se justifica. Ancestrais não podem cobrar. Mas, descendentes sim. Talvez, não com o façam com o dedo em riste frente aos olhos alheios. Contudo, o farão por meio das consciências de agora, os dedos que aqui escrevem, que viram as páginas ou que rolam a tela abaixo, apontando contra as próprias faces, se assim for necessário.
O ponto mínimo da imperfeição moral é o ponto de congruência entre as dimensões do tempo e do espaço. Entre o possível e imperfeito, e o perfeito e impossível.
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