Todos os anos, a Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários, destaca uma palavra em inglês. A eleita de 2016 foi “pós-verdade” (“post-truth”). Significa algo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. O boato, amplamente divulgado, de que o Papa Francisco apoiava a candidatura de Donald Trump valeu mais dos que as fontes confiáveis que o negaram.
A pós-verdade atual no Brasil é a notícia, insistentemente divulgada por colunistas e veículos da mídia, de que Michel Temer gasta bilhões de reais para obter apoio de deputados e se sustentar no cargo. Insinua-se que ele aumenta gastos em plena crise, enquanto falta dinheiro para emitir passaportes, fazer funcionar a Polícia Rodoviária e apoiar hospitais e instituições de ensino.
A opinião pública comprou a informação, pois acredita que essa é a atitude a esperar de um presidente impopular e acusado de corrupção pela Procuradoria-Geral da República. A aceitação da notícia se reforça em ambiente de revolta com o rosário de propinas e outros malfeitos que brotam das delações premiadas e desfilam nas entrevistas em que os procuradores anunciam novos achados da Operação Lava-Jato.
Acontece que a medida não causa qualquer aumento de gasto. A liberação de tais dotações orçamentárias é obrigatória pela emenda constitucional nº 86, de 17/3/2015, até o limite de 1,2% “da receita corrente líquida realizada no exercício anterior”. A regra tem sido reforçada por leis de diretrizes orçamentárias (LDOs). As emendas podem ser liberadas ao longo do exercício até dezembro. Não são contingenciáveis. Há que executá-las em algum momento.
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A Constituição do regime militar vedou emendas parlamentares. Foi uma reação aos exageros que dificultavam a condução da política fiscal. Com a Constituição de 1988, sob certas condições, as emendas foram restabelecidas. Ainda que se possa discutir sua finalidade, muitos analistas as justificam, seja pelo que representam para o exercício do mandato, seja para a realização de obras e outras atividades legitimamente demandas pelos eleitores.
Emendas parlamentares para projetos locais são comuns em outros países. Nos Estados Unidos, elas são conhecidas como “pork barrel politics”. Referem-se a gastos para beneficiar eleitores de um político em troca de votos ou contribuições para sua campanha.
No Brasil, a liberação de emendas parlamentares tornou-se instrumento de barganha política. Pode-se criticar a prática, mas todos os presidentes lançaram mão dela em votações relevantes, inclusive as relacionadas com processos de impeachment. A tradição constitui regra aceita no jogo político.
A pós-verdade das emendas parlamentares nada mais faz do que confundir a opinião pública.
Fonte: “Veja”, 24/07/2017.
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