O Congresso brasileiro está às vésperas de decidir se ratifica ou não o ingresso da Venezuela no Mercosul e, como não poderia deixar de ser, argumentos pró e contra têm ocupado considerável espaço em jornais e programas de televisão. Um desses argumentos, proposto recentemente pelos cientistas políticos Fabiano Santos e Márcio Vilarouca (*), do Iuperj, é o de que rejeitar o ingresso da Venezuela resultaria na perda dos benefícios comerciais de que goza o Brasil com aquele país. Esses benefícios foram concedidos no âmbito de um acordo mais geral entre o Mercosul e a Comunidade Andina e, como a Venezuela abandonou esta última, as preferências comerciais então acordadas perderão eficácia em 2011. Além de prejudicar as exportações brasileiras, tal cenário, segundo Santos e Vilarouca, abriria espaço para “o início da supremacia econômica chinesa em nosso querido solo sul-americano”.
A Venezuela é, de fato, um importante parceiro comercial do Brasil: Santos e Vilarouca lembram que, entre 1999 e 2008, as exportações brasileiras para a Venezuela aumentaram impressionantes 858%. A relação entre esse pequeno “milagre” e as preferências tarifárias em vigor, porém, é outra história. Os fluxos internacionais de mercadorias são determinados, em sua maior parte, por fatores que escapam ao controle dos governos: vantagens comparativas, proximidade geográfica e crescimento econômico. Ademais, o acordo em vigor entre Brasil e Venezuela só foi firmado em dezembro de 2003, de modo que podemos excluir, a priori, qualquer correlação entre tarifas e exportações durante o período 1999-2003. E quando analisamos o período 2003-2008 vemos que as exportações do Brasil para a Venezuela aumentaram 250%, enquanto as importações totais daquele país aumentaram 436%. Em outras palavras, quando estudamos os números com o devido cuidado, concluímos que, na verdade, o Brasil ficou para trás, sobretudo se considerada a proximidade geográfica dos dois países. As preferências tarifárias em vigor, portanto, são perfeitamente prescindíveis.
Santos e Vilarouca pecam, ainda, por subestimar as dificuldades que o Brasil enfrentará, após a adesão da Venezuela ao Mercosul, para firmar acordos comerciais com terceiros países e blocos. As decisões do Mercosul não são tomadas por maioria, mas por consenso e, portanto, nenhum acordo comercial será firmado sem o aval de Chávez. Dada a retórica (e a prática) antiliberal e anticapitalista do líder venezuelano, é fácil antever que, em tal cenário, o Mercosul dificilmente conseguirá firmar acordos comerciais com parceiros economicamente relevantes. Estaríamos condenados a incrementar nosso comércio exterior com países como Cuba, Irã e Coreia do Norte – comercialmente dispensáveis, mas politicamente compatíveis com o ideário bolivariano. Um acordo com o parceiro comercial com maior capacidade de incrementar nosso comércio exterior – os Estados Unidos – teria chance zero de ser concretizado.
Com a Venezuela no Mercosul, portanto, o Brasil assegurará preferências tarifárias num país, mas abrirá mão de preferências tarifárias em diversos outros. No agregado, o saldo certamente será negativo. Mesmo assumindo, por amor ao debate, que a revogação das preferências em vigor resultará em redução das exportações brasileiras para a Venezuela, essa redução será seguramente inferior às oportunidades perdidas em razão dos acordos rejeitados pelo líder bolivariano. Se o mercado brasileiro já fosse suficientemente aberto e integrado à economia mundial, tal entrave poderia ser de pouca importância. Mas não é o caso: o Brasil é um dos países mais fechados do mundo, com o comércio exterior representando apenas 25,8% do PIB (ante, por exemplo, 64,5% no México e 85,7% na Coreia do Sul, países de PIB comparável ao do Brasil). Urge, para promover uma melhor alocação de recursos e aumentar a eficiência da economia brasileira, retomar o caminho da liberalização comercial, dando sequência à abertura realizada no início dos anos 1990. Com a Venezuela detendo poder de veto sobre nossa política comercial, porém, não há nenhuma possibilidade de que tal caminho venha a ser traçado.
Há que lembrar, ainda, que toda essa discussão só faz sentido quando se parte da crença de que o comércio internacional é um jogo de soma zero em que o objetivo de cada país deve ser o de maximizar sua exportações e minimizar suas importações. Trata-se, porém, de crença inteiramente desamparada pela Ciência Econômica. A abertura às importações desloca recursos para setores mais competitivos; dessa forma, o país passa a produzir mais daquilo em que é melhor e, como consequência, suas exportações aumentam. O caminho para o aumento das exportações passa, portanto, pelo aumento das importações. Logo, ao considerarmos o custo/benefício do ingresso da Venezuela no Mercosul, devemos incluir no cálculo não apenas o que perdemos e ganhamos em termos de exportações, mas também – e com igual peso – o que perdemos e ganhamos em termos de importações. E aqui, novamente, o saldo da adesão venezuelana será certamente negativo: a Venezuela terá poder de veto não apenas sobre os novos acordos comerciais do bloco, mas também sobre quaisquer alterações da Tarifa Externa Comum (TEC) que incide sobre as importações dos países membros. Dessa forma, estaremos limitados não apenas em nossa capacidade de firmar acordos, como também em nossa capacidade de reduzir unilateralmente nossas tarifas de importação.
Por todas essas razões, a decisão do Congresso brasileiro deve ser um sonoro “não” à Venezuela.
(O Estado de SP – 28/05/2009)
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