Em entrevista à jornalista Monica Bergamo, publicada na Folha de S. Paulo (19/4/2018), o ex-ministro José Dirceu exaltou os feitos do governo Lula no campo social. Para ele, “o legado de Lula, o nascente estado de bem-estar que ele consolidou, está sendo todo desmontado. Estão desfazendo a era Lula como quiseram desfazer a era Vargas”.
É provável que Dirceu acredite no que disse, mas sua afirmação não faz o menor sentido. Como se sabe, um governo que moderniza o país lega ao sucessor a colheita dos respectivos frutos. Reformas levam tempo para maturar. Bill Clinton se beneficiou das mudanças de Ronald Reagan; Tony Blair, das reformas de Margaret Thatcher. Lula se ganhou com as mudanças de FHC, como o fim da hiperinflação e as reformas microeconômicas que contribuíram para aumentar a produtividade da economia.
O governo Lula foi bafejado pela sorte. Logo no início, a China se tornou a grande importadora de nossos produtos do agronegócio e da exploração mineral. A maior demanda aumentou os preços desses produtos. Esse duplo efeito equivaleu a um enorme ganho de produtividade. Foi um maná dos céus, aquilo que se ganha sem esforço.
Leia mais de Maílson da Nóbrega
Temer errará se vetar o projeto de lei 7.448/2017
Aumentaram incentivos para MDB descartar candidatura própria
Prisão de Curitiba não é diretório eleitoral
Ora, a produtividade é a principal fonte de geração de renda e riqueza. O PT tinha como bandeira o combate à desigualdade e à pobreza, mas isso dependia de recursos para financiar os programas. Eles surgiram com as reformas de FHC e com a ajuda chinesa.
A grande contribuição de Lula foi evitar que esses dois benefícios fossem dissipados por uma crise de confiança e com a volta da inflação sem controle. O programa de governo do PT poderia levar a isso, mas Lula resolveu manter a política econômica de FHC, que antes acusava de ser neoliberal. A confiança se manteve e a inflação ficou controlada.
Infelizmente, Lula começou uma marcha à ré depois da substituição do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por Guido Mantega. A revisão se acelerou no segundo mandato e se agravou no período de Dilma Rousseff: aumento de gastos, subsídios injustificáveis via crédito do BNDES, intervenção desastrosa no setor de energia elétrica, controle de preços da Petrobras e redução artificial da taxa Selic do Banco Central.
Sem contar a corrupção sistêmica, a desastrosa política econômica acarretou aumento da inflação e a maior recessão da história. A corrosão inflacionária da renda e a destruição de empregos prejudicaram essencialmente as classes menos favorecidas. Os ricos, como se sabe, conseguem defender-se da inflação e pouco sofrem com os efeitos da recessão.
José Dirceu errou duplamente. Primeiro, Lula não consolidou o estado de bem-estar; apenas distribuiu os frutos de árvores que outros plantaram e do maná dos céus chinês. Segundo, o desmonte dos benefícios foi provocado pelo próprio PT com seus lamentáveis equívocos da gestão econômica. Pior, o partido não plantou árvores para os sucessores colherem. Foram raros os casos de medidas para aumentar a produtividade.
Fonte: “Veja”, 22/04/2018