Depois da festa de aniversário do PT, o Brasil respirou aliviado: após o leilão de três aeroportos pelo governo Dilma, o Diretório Nacional do partido divulgou uma resolução garantindo que “não é verdade que acabou a disputa ideológica sobre as privatizações”. Graças a Deus! Sem disputa ideológica, como se sabe, o PT desapareceria. E isso seria muito grave. Não pelo desgoverno, mas pelo desemprego: para onde iria o imenso contingente de companheiros pendurados na máquina pública graças à mitologia do partido? Hoje, o fim da disputa ideológica seria praticamente um problema social.
O mito das privatizações como coisa do demônio já rendeu à esquerda uma coleção de vitórias eleitorais. A ideia da “privataria” é uma mina de ouro, um filão aparentemente inesgotável de votos. E o negócio é seguro, porque ao eleitorado, nesse caso, não interessa a verdade. Assim como as crianças diante dos contos de fadas, o eleitor prefere que o bem e o mal sejam distinguidos pelo mito – que, entre outras vantagens, está sempre no mesmo lugar.
Se dependesse do PT, a telefonia nacional estaria até hoje nas mãos da Telesp, Telerj e congêneres. Era um sistema apodrecido pela corrupção e pela ineficiência, que servia menos aos aparelhos telefônicos que ao aparelhamento político. Mas era “nosso”. A privatização mudou a vida de milhões de brasileiros, especialmente os mais pobres, que até outro dia ainda se comunicavam pelo sistema de recado na birosca. Mas, como a fábula não pode terminar com a vitória do monstro (neoliberal), o eleitor arranjou um jeito de adorar seu telefone novo e detestar a privatização. Viva o milagre da disputa ideológica.
O mito da “privataria” é tão forte que vende até livro. Um ajuntamento criativo de documentos que, bem embaralhados, resultam numa série de quase denúncias gravíssimas – no melhor do jornalismo impressionista – vira best-seller. As privatizações melhoraram a vida dos brasileiros e livraram o Estado de uma multidão de parasitas. Mas é muito mais emocionante acreditar na lenda de uma quadrilha de espertos que saqueou o país vendendo “o que é nosso”. E que – atenção! – pode voltar a qualquer momento tentando derrotar o PT.
Confrontos entre ideologias já se viram aos montes. Mas um partido defendendo a própria “disputa ideológica” é a primeira vez. Eis a tradução da nota do PT para o português:
– Prezados eleitores, por favor, não abandonem essa dicotomia estúpida entre privatização e defesa do patrimônio público. Não deixem de acreditar que a fronteira entre o bem e o mal está nesse dilema imaginário. Esqueçam o bom funcionamento de telefones, aeroportos e outros itens da monotonia cotidiana. Sejam politizados, revolucionários, concentrem-se no duelo entre direita e esquerda. Só assim, com essa mente esquemática e essa lógica primária, vocês terão a chance de vestir a camisa, levantar a bandeira e verter seu ódio contra o inimigo. Ah, sim: e, nas eleições, exerçam sua cidadania descarregando seus votos conscientes nos candidatos contra a privataria (que, por acaso, são os nossos).
A inédita defesa dessa instituição lucrativa (a disputa ideológica) se fez necessária por causa da privatização dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília. Antes que o povo começasse a confundir o bem com o mal e vice-versa, o partido fez o esclarecimento definitivo: privatização do PT não é privatização.
Alívio geral. Por um momento, até pareceu que algum vírus neoliberal tivesse sido solto no gabinete da companheira Dilma. Felizmente isso não aconteceu. O que parecia privatização era, na verdade, “concessão”. A privatização da telefonia também foi uma concessão, mas aí há uma enorme diferença: não foi feita pelo PT. Portanto, é privataria.
Com tudo colocado em seu devido lugar, o partido da presidente pôde cuidar de retocar outras verdades. Pela resolução do Diretório Nacional, o país ficou sabendo que a queda de sete ministros de Dilma após uma escandalosa sucessão de fraudes foi “uma campanha de setores da oposição que buscavam desestabilizar o governo através de seguidas denúncias de corrupção em ministérios”. Por essa, ninguém esperava. Os neoliberais fizeram até os companheiros do bem privatizarem dinheiro do povo.
Fonte: revista Época
Infantil também é achar que privataria é um mito.
PT gosta de guerra ideológica. Verdade. E você senhor Guilherme?
Precisamos tirar o ódio do coração…
Muito bom artigo.
Ótimo artigo, os defensores da situação não gostam muito desta “verdade inconveniente”. Sai partido entra partido, esquerda, direita, meio, radical ou moderado, enfim, no final todos defendem o “seu lado”, esquecendo do mais importante, o povo brasileiro. A verdade é que o melhor do outro é sempre considerado “um mal sem sombra de duvidas” e o meu pior é sempre considerado apenas um “equivoco sem importância”. E o povo continua cego pelas ideologias vazias sem perceber que estão sempre sendo ludibriados pelos donos da bola da vez.
O sistema ferroviário na Argentina foi privatizado e é uma sucata.É o mito que mata.( a solução lá é a reestatização)
Excelente texto. Acredito piamente que chegará o dia em que toda a hipocrisia petista será compreendida pela grande massa da população que sustenta o partido no poder. Quando esse dia chegar teremos, verdadeiramente, uma democracia plena, com alternância de poder.
Infelizmente esta publicação não é de acessível aos eleitores de nosso país.
A maior prova de que tudo não passa de um circo armado para angariar os votos dos ingênuos ou cegos por opção, é que ao ser lançado o livro de ficção do Amaury, onde toda a esgotosfera gritava em alvoroço contra FHC, Serra e as “privatarias”, foi anunciada uma CPI pelo PT, que tem 80% dos votos no congresso. Alguém viu onde essa CPI foi parar ??? Também não.