*Por Arthur Alves Dias
Desde que o Estado tomou para si o monopólio da moeda, podendo emiti-la quando bem entendesse, a tentação a abusar desse mecanismo é uma constante. O dinheiro é o meio que viabiliza as trocas dos bens produzidos pelas pessoas. Essencial como é, deve ser manejado com prudência, pois um erro de política monetária pode destruir uma economia – e a culpa vai cair em cima dos empresários.
Para entender o processo inflacionário é necessário, primeiro, entender a natureza do nosso dinheiro atualmente e, depois, os objetivos de uma política de expansão monetária. De modo bem simples, o dinheiro é um meio de troca, prático e rápido. Antes do surgimento do dinheiro as trocas eram feitas com base no escambo, no toma lá, dá cá. O padeiro que quisesse carne deveria dar o seu excedente de pão ao açougueiro em troca do excedente de carne dele. Adam Smith explica.
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Mas esse procedimento tinha uma série de inconvenientes e então as pessoas passaram a usar objetos mais amplamente aceitos como meio para viabilizarem as suas trocas. Para que as pessoas aceitassem, esses objetos precisavam ser valiosos, ser algo que todos quisessem e não existissem em abundância na natureza – de modo que valesse a pena alguém dar algo em troca daquilo.
Dessa forma vários objetos foram sendo usados como meio para troca de outros objetos. Sal, açúcar, tabaco, peles de animais, conchas etc., foram usados como essa finalidade. Até que, com o decorrer de muitos anos, os metais convenceram as pessoas de que serviriam melhor como moeda. Dada as suas características intrínsecas – podiam ser derretidos e divididos em pequenas partes, não eram danificados pela chuva, podiam ser guardados em qualquer lugar – eram mais práticos, duradouros e caíram no gosto popular.
A partir daí foi um pulo para que o ouro e a prata fossem tidos como os metais mais preciosos. É aqui que o nosso dinheiro surge, para evitar ter de carregar ouro e prata para cima e para baixo, as pessoas começaram a depositar os seus metais naquilo que depois ficaria conhecido como banco. Ao depositarem o seu ouro no banco as pessoas recebiam uma espécie de certificado, um papel que dizia a quantidade de ouro que ela havia depositado.
Durante um bom tempo, o comércio, nacional e internacional, funcionou com base nessa quantidade conhecida de metais preciosos. Os governantes, porém, viam-se limitados, pois para terem mais dinheiro para custear os seus projetos era necessário descobrir novas minas e extrair-lhes a quantidade possível de ouro.
Os Estados passaram, então, a emitir as moedas sem que houvesse uma quantidade de ouro correspondente. Era um sistema baseado na confiança, as pessoas acreditavam que aquela moeda valia realmente aquilo que estava estampado nela. E essa confiança derivava do fato de o Estado usaria o sistema jurídico para obrigar que todas as pessoas daquele país aceitassem aquela moeda, o chamado “curso forçado” da moeda.
E esse é o sistema vigente atualmente, as nossas cédulas não têm valor intrínseco algum e não tem lastro em nada. São papéis com números estampados, mas com um sistema jurídico que garante que você poderá liquidar os seus contratos e saldar as suas dívidas com base nos valores ali estampados.
Detendo o monopólio da emissão da moeda, o Estado pode usar esse mecanismo para estimular uma economia que ande meio parada ou que, por algum motivo, precise aumentar rapidamente a sua produção. Afinal, com mais dinheiro as pessoas compram mais, os vendedores vendem mais, com mais vendas os produtores são estimulados a produzirem mais e a economia cresce.
Ao longo da história, o Estado sempre cunhou moedas para financiar os seus projetos. Desde guerras a tentativas de reerguer economias em recessão. Em geral, esses são os objetivos de uma política de expansão monetária, o governo injeta dinheiro na economia para aumentar a produção bélica, para financiar obras públicas, para conceder empréstimos baratos às pessoas.
Ocorre que a produção do país precisa acompanhar esse acréscimo de moedas. Veja, quando o governo injeta dinheiro numa economia, esse dinheiro vai para alguém – seja para os fornecedores dos materiais para as obras públicas, seja para as pessoas que pegarão um empréstimo em algum banco público, dentre outras várias possibilidades – essas pessoas, por sua vez, gastarão esse dinheiro.
Ao gastarem esse dinheiro, essas pessoas estimularão aqueles que o receberam a produzirem mais. Se essa produção aumenta, tudo bem; aumentou a demanda, aumentou a produção, houve crescimento. O objetivo foi, nesse recorte, foi alcançado.
Todavia, essa medida tem um limite. A capacidade de extração de matérias-primas para a produção de outros bens é limitada. Não dá para aumentar muito, do dia para a noite, a produção de trigo, por exemplo, porque houve um aumento inesperado na demanda por pão ou outros derivados do trigo. No fim das contas, o limite dessa política está condicionado à capacidade de produção interna de um país.
Por outro lado, caso aquele comerciante, que foi beneficiado porque vendeu para alguém que recebeu do dinheiro emitido pelo governo, decidir não aumentar a produção – seja porque dá trabalho contratar e capacitar mais funcionários, seja porque não sabe se aquela demanda continuará no mês seguinte – a tendência é que ele aumente os preços para aproveitar a “maré boa”. Nesse ponto, começa um leilão de preços. Com as pessoas com dinheiro para comprar e os produtos disponíveis limitados, o fornecedor vai vender para quem der mais.
E isso pode se alastrar pela economia. Se o padeiro descobre que o preço da carne está mais caro, ele aumenta o preço do pão, caso contrário não conseguirá comprar carne. E aí começa um aumento generalizado dos preços.
E com isso sofrem as pessoas das classes mais baixas, que não tiveram aumento em seus salários. Apesar de não terem uma redução em seus salários, estão mais pobres, pois terão que trabalhar mais para comprar as mesmas coisas de antes. Inflação é isso, é essa perda do poder de compra da moeda, é a corrosão do poder aquisitivo do trabalhador médio, que vai ter que fazer horas-extras e bicos aos finais de semana para tentar manter aquele nível econômico já nada folgado.
É aquela sensação, bem conhecida por nós, de que o dinheiro não compra mais a mesma quantidade de coisas que comprava antes.
O governo geralmente tenta implementar medidas para frear essa escala de preços. Uma de suas preferidas é culpar os empresários pelos constantes aumentos e decretar um congelamento dos preços – como ocorreu no Brasil na década de 80, no episódio que ficou conhecido como “os fiscais do Sarney”. O governo José Sarney havia decretado um congelamento dos preços e ainda tinha aumentado o salário-mínimo.
O resultado dessa história nós conhecemos, além de não ter controlado a escalada de preços, pelo contrário, os preços aumentaram estratosfericamente, ainda provocou uma crise de desabastecimento.
Uma outra maneira pela qual os Estados tentam combater a inflação é, adivinhem só, imprimindo mais dinheiro. O que ocorreu na Alemanha na década de 20, como resultado da derrota na Primeira Guerra, nos mostra que imprimir dinheiro no meio de uma inflação não é uma boa ideia. Dinheiro em circulação, mas sem ter o que comprar porque a produção está paralisada significa retroalimentar a inflação.
Uma outra medida é aumentar os salários para tentar manter o poder de compra das pessoas. Mas é uma medida pouco eficaz. Num processo inflacionário os preços das coisas sempre aumentam antes dos salários. Além do mais, o custo do aumento dos salários é repassado para o preço final dos produtos e serviços, aumentando-os ainda mais.
Em resumo, esse é o efeito da inflação: penaliza os mais pobres, fazendo com que o dinheiro deles valha menos, o que os economistas chamam de imposto inflacionário. Por essa razão eles tem que trabalhar cada vez mais para ter um padrão de vida minimamente decente.
Como explica o economista Thomas Sowell, as políticas econômicas não devem ser analisadas com base simplesmente na boa intenção, mas em termos de incentivos que elas geram. Como vimos, a má utilização da política monetária pode gerar incentivos nefastos que acabarão corroendo as poupanças e as rendas dos cidadãos.
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