Virou clichê acusar o político de que a gente não gosta de ser “populista”. Se discorda de mim, que estou do lado dos fatos, é populista. Para evitar isso, procuro usar uma definição mais clara.
Considero populista o político que tem pelo menos uma dessas duas características, que costumam andar juntas: ele pratica a estratégia da divisão social, colocando de um lado o povo puro (seu eleitorado), e, do outro, uma minoria (em geral, uma elite) imoral ou corrupta.
Aqui pouco importa o conteúdo desse discurso: pode ser o povo trabalhador contra a elite do capital financeiro que o explora, ou os cidadãos de bem contra a elite progressista que quer corrompê-los. Em ambos os casos, o tipo de discurso é o mesmo, ainda que seja usado para defender políticas opostas.
Em vez de uma visão positiva de um bem comum ou de um objetivo nacional que nos leva a olhar para a frente, temos o ódio contra algum inimigo interno.
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O segundo elemento, que em geral acompanha o primeiro, é negar que a realidade imponha limites ao que a política pode fazer. No caso do Brasil, negar a gravidade da crise fiscal do Estado brasileiro e minimizar as dificuldades para nosso crescimento acelerado.
Como bons brasileiros, estamos sempre à espera de um milagre, de um bilhete premiado que nos livre da necessidade de sacrifícios e escolhas difíceis. O populista já tem o remédio no bolso: propostas simples para resolver nossos problemas (ou ainda mostrar que eles não existem) sem que ninguém saia prejudicado, exceto talvez uma minúscula minoria de privilegiados.
Uns insistem que não existe déficit da Previdência; como se mudar definições mudasse a realidade. Outros prometem que aumentos de gasto público levam a um aumento da arrecadação. Ou ainda que nosso problema fiscal pode ser resolvido simplesmente com novos impostos sobre ricaços, passando longe de todo mundo que se vê como classe média.
Se isso não bastar, prometem a auditoria da dívida pública, que é uma roupagem legalista para o calote. Por fim, para fazer o Brasil crescer, não precisa se preocupar com os fundamentos da economia: basta baixar os juros na marra; ou o câmbio.
Se as soluções para o Brasil são simples e indolores, por que elas não foram aplicadas? Porque os interesses escusos, puramente malignos, das elites falam mais alto. Apenas o líder que representa os anseios virtuosos do povo conseguirá quebrar, por um ato de sua vontade, as forças do mal que mantêm o país no atraso.
Confiando na superioridade pessoal dele, somos vendados e caminhamos confiantes para o abismo, ao mesmo tempo em que os vínculos sociais que nos unem uns aos outros são destruídos para garantir seu poder.
A política de massas nunca será o campo para argumentação racional e de posições nuançadas. Ela trabalha com mensagens simples, valores e sentimentos.
E esses sentimentos podem apontar para destinos muito diferentes: o desejo de abrir mão de qualquer responsabilidade e jogar o trabalho a deus-dará; o medo reativo contra algum inimigo imaginário; a disposição de construir um futuro melhor. 2018 é um ano crucial para o Brasil: dentre as muitas opções ainda colocadas na mesa, a principal escolha é entre o populismo (à esquerda ou à direita) e a responsabilidade.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 15/05/2018