BRASÍLIA – A combinação perversa de três riscos – fiscal, político e da condução da crise sanitária da pandemia da covid-19 – está por trás do patamar elevado do dólar do Brasil, que não cede apesar da maré favorável para o fortalecimento do real frente à moeda norte-americana.
Na virada do ano, a expectativa de muitos craques do mercado era de que a perspectiva do início do ciclo de alta de juros pelo Banco Central (BC) e o boom de alta de commodities (produtos básicos, como petróleo, grãos e minério de ferro) contribuiria para a valorização da moeda brasileira. Mas esse movimento não aconteceu.
Economistas ouvidos pelo Estadão apontam que o dólar poderia estar abaixo de R$ 5 se não fosse o “caldo” de incertezas que rondam a economia brasileira em 2021. Na sexta-feira, a moeda americana fechou em torno de R$ 5,60.
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Tem algo diferente no Brasil: sobra dólares e nem assim o valor da moeda americana cai. Isso é novo. O temor desses riscos também deve estar por trás da decisão dos exportadores brasileiros em deixar parte dos dólares obtidos com a venda dos seus produtos fora do País. Estratégia que é legal, mas que tem sido acompanhada com atenção pelos especialistas para entender o seu impacto no comportamento da taxa de câmbio no Brasil.
Estima-se no mercado que os exportadores têm pelo menos US$ 40 bilhões de receitas de exportação que não foram trazidas para o Brasil. Se esse dinheiro tivesse entrado no País, o dólar deveria estar mais baixo. O saldo comercial é grande, mas o saldo de compra e venda de câmbio no mercado é menor.
“Tem muita gente encucada com isso. Eu acho que está associado à incerteza. Melhor deixar lá fora do que trazer para aqui”, avalia o economista e consultor José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. ” O fiscal dá uma incerteza gigante”, diz. Com décadas de experiência em comércio exterior e setor agrícola, José Roberto diz que é a primeira vez no Brasil que o real não se valoriza num cenário de commodities fortes, de alta do saldo da balança comercial e perspectiva de superávit nas contas externas. Um movimento de valorização do real teria que ter reduzido em pelo menos R$ 0,20 o dólar, colocando a cotação abaixo de R$ 5,50, segundo ele.
Volatilidade
O que pesa no clima geral de incertezas não é somente o ruído fiscal, que piorou com o impasse político após a aprovação do Orçamento de 2021 maquiado para acomodar mais emendas parlamentares, mas também a forma como o governo Jair Bolsonaro tem lidado com a pandemia e a vacinação.
Nitidamente a economia brasileira está enfraquecendo, após a perspectiva de recuperação mais forte em 2021, com a má-condução do Brasil no enfrentamento do agravamento da doença. O que muitos se perguntam agora é: quando é que vai melhorar a covid-19? Qual é o fluxo de vacinas? Para onde vai a vacinação?
Também houve uma elevação do ruído político porque o governo ficou mais enfraquecido e terá que enfrentar a CPI da Covid no Senado e ameaças de o presidente Jair Bolsonaro perder apoio da coalizão do Centrão, a depender do desfecho da crise do Orçamento, como mostrou o Estadão.
Dois fatores podem dar algum alívio a uma valorização do real e queda do dólar: o aumento da vacinação para um patamar de 1,5 milhão por dia e a recuperação econômica no segundo semestre. Mesmo assim, não se espera um recuo do dólar muito maior. A última pesquisa Focus do BC (com uma centena de economistas de instituições financeiras) mostrava o câmbio fechando 2021 em R$ 5,37.
Para o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, é o pessimismo maior em relação ao Brasil, que não tem permitido que o real se aprecie, apesar da cotação estar mais calma nos últimos dias. “Mas é tudo volátil, de acordo com as notícias, porque existe toda essa dúvida agora em relação à sanção do Orçamento e sobre a própria articulação política do governo”, avalia. Ele destaca o efeito do câmbio na inflação, que pressiona os juros.
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Loyola diz que o Brasil hoje é um País visto sob o prisma negativo e que “ninguém quer apostar no momento”. Para o ex-presidente do BC, há um sério risco desse quadro de incerteza emendar em 2022, ano de eleições. “Se formos para um cenário mais tranquilo do ponto de vista fiscal, o real poderia ficar em torno de R$ 5,50 e um pouco menos até. Com a incerteza política, não faço essa aposta”, prevê.
O economista-chefe do Banco Votorantim, Roberto Padovani, diz que os economistas estão tendo dificuldade em medir o impacto do risco do comportamento das contas públicas, porque tradicionalmente ele deveria estar aparecendo no risco soberano País. “Talvez a única variável que consiga explicar esse descolamento (do câmbio) seja a questão fiscal”, diz. Para Padovani, o Brasil deveria ter uma moeda abaixo de R$ 5 “O fator é que nos últimos nove meses a moeda brasileira oscila em R$ 5,40. A explicação mais possível, é que o risco fiscal cresceu muito e está dentro dessa conta”, avalia.
Ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy tem avaliação mais otimista. Para ele, o BC tem indicado que há vários fatores sobre o câmbio que estavam presentes no ano passado e que são se vê mais, como o overhedge dos bancos (proteção extra dos ativos em moeda estrangeira dos bancos), pagamento de dívidas pelas empresas e a saída de investidores estrangeiros do País. Para ele, as exportações que foram bem em 2021 serão muito melhores este ano. “Há uma série de fatores, alguns técnicos, que sugerem uma pressão menor no câmbio neste ano do que no ano passado”.
Fonte: “Estadão”, 19/04/2021
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