Estou entre os que acham que o fenômeno Jair Bolsonaro é produto do petismo, desenvolvido como seu maior e mais contundente antagonista, frequentemente no terreno do grotesco, onde todos os outros adversários do PT parecem condescendentes ou mesmo hesitantes. A rejeição ao PT parece maior que Bolsonaro, e não é para os fracos.
Também pertenço ao numeroso grupo insatisfeito com a escolha disponível no segundo turno, mas não aos que se entregaram ao fatalismo ou à emigração. Como muitos à minha volta, não votarei hoje por amor, simpatia ou convicção, mas com o fígado e por cálculo, como nas associações com gente em quem não se pode confiar.
Meu voto é utilitário e egoísta, como é próprio do homo economicus que todos sabemos ser quando vamos ao supermercado. A vida econômica e política está cheia de escolhas difíceis, e o almoço desse domingo está particularmente indigesto.
Mas se a escolha tem a ver com o menos pior, como exatamente identificar o que há de bom no resultado? Numa eleição definida pelas rejeições e negações, e de controvérsias intensas sobre minudências virtuais, como se pode construir uma postura positiva? Especialmente se você está farto de cenários sobre o fim do mundo?
É forçoso reconhecer que estava mais difícil de enxergar o futuro, e especialmente os futuros desejáveis, antes dos resultados do primeiro turno. Felizmente, contudo, a maior parte dos analistas políticos estava enganada e a renovação no Congresso colocou a eleição presidencial sob novas e interessantes luzes.
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Há muitas mensagens nas urnas do primeiro turno, a primeira, acaciana apenas na aparência, é que não se trata apenas do presidente e que, ademais, não é uma eleição para imperador ou caudilho. O congresso governa junto com o chefe do Executivo e a boa notícia é que a renovação no Legislativo ofereceu uma bela demonstração da vitalidade da nossa democracia.
Nesse capítulo, definitivamente não compartilho com os pavores quanto ao futuro da democracia no País e por uma simples razão: resistimos ao ataque empreendido pelo PT, colocamos dezenas de políticos corruptos na cadeia, incluindo o líder do bando, e o povo de Minas Gerais corrigiu a canelada constitucional que permitiu que Dilma Rousseff concorresse ao Senado. Tenha-se claro, como bem observou Bolivar Lamounier, em matéria de democracia, “a folha corrida do PT é um milhão de vezes pior que a de Jair Bolsonaro”, inclusive por que foi bem além da garganta.
Outra mensagem essencial, também pelo lado das negações, foi a composição estelar do grupo de não eleitos: os filhos de Cabral, Cunha e Picciani no Rio, Dilma e Pimentel em Minas, Jucá, Eunício, Sarney e tantos outros, com destaque para os que investiram nessa tolice da “narrativa do golpe”. Não há dúvida que essas ausências preenchem lacunas a ponto de os espíritos mais arrebatados questionarem, inclusive, a validade da Lei de Ulysses Guimarães, segundo a qual o próximo Congresso é necessariamente pior.
No interior do discreto círculo dos otimistas, uma minoria muito oprimida ultimamente, circula uma hipótese ousada, segundo a qual o Congresso que agora vai para casa era o fundo do poço, nada pode ser pior. Pode ser romântico, eu sei, mas vale torcer e, adicionalmente, usar as redes sociais para acompanhar o seu congressista. O WhatsApp serve para isso também.
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O fato é que este Congresso inesperado e fragmentado parece se organizar quando se trata de atacar os piores aspectos do petismo e entre esses, sem dúvida, estão as ideias econômicas celebrizadas por Dilma e seus gurus.
Historicamente o PT combateu duas grandes pautas hoje na ordem do dia: a responsabilidade fiscal e o liberalismo. É de se esperar que o novo governo proponha novidades picantes nessas agendas, que o Congresso as receba de forma acolhedora ainda que o PT volte a seu velho figurino de oposição pitbull, no estilo “quanto pior melhor”.
Pode muito bem funcionar, sobretudo se o foco estiver na economia.
Fonte: “Estadão”, 27/10/2018