A EBC é a Empresa Brasil de Comunicação, uma estatal vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Nela trabalham cerca de 2.500 funcionários e, só em 2016, deverá custar aos cofres públicos algo em torno de R$ 550 milhões.
Como o nome já anuncia, a EBC faz e veicula programas de rádio e televisão, além de difundir notícias na internet. É ela que produz, por exemplo, o horário do Poder Executivo da “Voz do Brasil” (entre 19 horas e 19h20), o mais antigo, mais retransmitido (a retransmissão é obrigatória por lei) e menos escutado programa de rádio do Brasil. São dela a TV Brasil e algumas emissoras de rádio, como as históricas Rádio MEC e Rádio Nacional do Rio de Janeiro, além da Agência Brasil.
Agora, a EBC foi jurada de morte. Como, além de não dar lucro, também não dá audiência, está na mira do governo interino de Michel Temer. Ou vai virar uma agência governamental de porte modesto ou vai sair de cena. O mais provável é que venha por aí uma combinação das duas alternativas.
Será uma pena. Os assessores de Michel Temer têm razão em metade do diagnóstico: do jeito que está, a EBC é uma estrutura grande demais para benefício público quase nenhum. É pesada, perdulária, morosa e, ao longo do tempo, acomodou-se à função de propagar proselitismo governista. Disso que aí está, realmente, a sociedade brasileira não precisa.
Na outra metade do diagnóstico, estão completamente errados. Eles não se deram conta de que a democracia brasileira precisa de um sistema de comunicação não comercial bem estruturado – e independente, tanto do governo como do mercado. Nisso não vai nenhuma originalidade. Os Estados Unidos e os mais influentes países europeus contam com sistemas desse tipo há várias décadas.
Nos Estados Unidos, as rádios públicas se associam à NPR (a National Public Radio), um complexo que rende boa audiência com programas de qualidade jornalística reconhecida mundialmente. Em televisão, os americanos contam com as emissoras do PBS (Public Broadcasting Service), de excelência provada e comprovada. França, Alemanha, Canadá, Espanha, Portugal e Reino Unido, entre outros países, dispõem de modelos equivalentes, todos públicos e todos independentes do governo e dos anunciantes.
O Brasil ficou para trás nesse quesito. Agora surge uma oportunidade rara de sanar o atraso. Essa oportunidade consiste em transformar o complexo da EBC num polo verdadeiramente público, e não mais estatal-governamental, para criar no país um embrião nacional de um sistema que não seja contaminado pelo proselitismo governista, pela propaganda religiosa (que virou uma praga na televisão e no rádio do Brasil) e pela publicidade comercial.
A EBC tem potencial para isso. Ela não é um mal em si. O mal que existe dentro dela é o governismo, que gerou ineficiência, corporativismo e baixa audiência. Com sua natureza jurídica de empresa pública federal, é comandada por um Conselho de Administração cujos integrantes, em sua quase totalidade, são diretamente nomeados pela Presidência da República e pelos principais ministérios. O Conselho de Administração é quem dá as cartas. O diretor-presidente também é nomeado pela Presidência. O fato de ele ter um mandato legal de quatro anos (pela lei, não pode ser demitido antes disso) dá a impressão que é independente, mas não é. O Conselho de Administração pode sufocá-lo no dia a dia e o governo de turno, se quiser, pode propor medidas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal para afastá-lo ou para neutralizá-lo. É o que o governo Temer vem fazendo com o atual presidente da EBC, Ricardo Melo, que foi nomeado nos estertores do governo Dilma.
Essa pendenga é tola e vã. Nem o mandato do diretor-presidente garante autonomia à EBC (pois quem controla de fato a empresa é o Conselho de Administração, totalmente atrelado ao Poder Executivo), nem sua destituição tornará a EBC menos governista. Trocar o presidente não mudará a natureza da instituição, apenas trocará um governismo por outro. Se quisesse aposentar o velho padrão e acabar com o aparelhismo, Temer deveria não fechar, mas mudar a EBC em dois aspectos centrais. Primeiro, deveria transformá-la numa fundação, que seria comandada por um Conselho com representantes da sociedade (não mais do governo). Depois, deveria desvinculá-la da Presidência da República e ligá-la ao Ministério da Cultura, mas sem subordinação ao ministro.
Isso faria toda a diferença. Fechar a EBC sem mais nem menos é desperdiçar uma grande oportunidade para a democracia brasileira.
Fonte: “Época”, 2 de agosto de 2016.
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