Eu fiquei impressionado, chegando ao Brasil em 1976 fugindo do drama da Argentina, em ver como, mesmo no regime militar, havia diálogo no Congresso. Acompanhei uma geração que cultuava a conversa, com figuras da estirpe de um Célio Borja ou Petrônio Portela, de um lado; e mestres da boa prosa política, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, de outro. Aquilo foi uma lição, que conservo até hoje como filosofia: a de que pessoas com visões diferentes podem se entender e ter um denominador comum.
Por que a economia brasileira está crescendo tão pouco desde que saiu da recessão em 2017? O que vou tentar expor não é algo acerca do qual haja uma explicação clara, até porque os fatos são recentes, e não há uma reflexão sedimentada, mas é evidente que a recuperação em curso não guarda qualquer relação com outras experiências anteriores. Enquanto que a saída das crises pós-estabilização (1998, 2001/2003 e 2008) foi bastante rápida, depois da desaceleração do crescimento de 2011/2013, da estagnação de 2014 e dos anos terríveis de 2015/2016, temos tido um crescimento raquítico, agora pelo terceiro ano consecutivo. Todas as explicações que vinham sendo dadas para entender as razões da falta de dinamismo foram sendo superadas — e nada de o Brasil crescer. O que está acontecendo com nossa economia? Eu arriscaria uma interpretação: há anos, o país está no “modo wait and see ”. O risco é ficar esperando Godot.
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Coloque-se o leitor na situação de um grupo empresarial que está cogitando investir R$ 500 milhões. O que o leitor faria? Qualquer economia vive desse tipo de decisões. Elas foram tomadas no passado. O que havia então que não temos agora? Duas coisas: 1) perspectiva de futuro; e 2) um governo com controle sobre o Congresso. Ou seja, era um país que funcionava. O que temos agora? Uma incerteza intensa e uma fragmentação político-partidária enorme. Se listarmos os partidos em ordem de deputados eleitos em 2018 e excluirmos os oposicionistas que tendem a votar contra, vamos precisar de 11 partidos para alcançar 308 votos na Câmara. As 11 maiores agremiações não oposicionistas somaram 312 deputados ao sair das eleições de 2018, o que dá uma média de 28 parlamentares por partido. A reforma da Previdência é essencial, mas é uma entre várias. Depois, ainda que com lei, e não com uma PEC, será preciso encarar a nova Lei do Salário Mínimo, os reajustes do funcionalismo para 2020/2023, a reflexão sobre nossas regras de seguro-desemprego etc. De pouco adiantará aprovar a nova Previdência se o governo sucumbir em outras votações importantes.
Vale a pena aqui lembrar as lições de FH, expostas na apresentação das suas memórias da Presidência sobre 1999/2000: “Em nossa cultura política e com o desenho partidário em vigor, o Presidente ou o Governo só obtém maioria congressual com alianças. Precisam entrar no corpo a corpo com os parlamentares para obter resultados legislativos, com toda a carga tradicional de redes de clientelismo e troca de favores. Com isso, ganham, senão o repúdio, o distanciamento da sociedade. Para aprovar medidas legislativas, ou o Governo tem o apoio de partidos e líderes, ou fica isolado e perde”.
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Chegamos ao ponto crítico: será difícil avançar nessa agenda legislativa durante quatro anos no contexto de um ambiente permanente de conflagração e exacerbação da discórdia. A política nos últimos anos foi dominada pela polarização e pelo ódio. É muito complicado formar maiorias nesse clima. A liderança política deve trabalhar no sentido de articular uma maioria ampla que transmita a percepção de que o governo terá chão firme pela frente para aprovar uma pauta legislativa modernizante. O país precisa tanto de uma agenda reformista como de uma maioria sólida. Ambos são requisitos para o sucesso: com propostas de reforma sem maioria ou com maioria sem reformas, o país só colherá fracassos. Já acumulamos muitos nos últimos anos para continuar perdendo tempo em brigas inúteis.
Fonte: “O Globo”, 09/04/2019