Salvo raríssimas exceções, as democracias contemporâneas são caracterizadas por governos que não governam, anêmicos parlamentos ineficientes e um sistema judicial atolado na morosidade crônica. Ou seja, o sistema posto não funciona mais, colocando em risco a vitalidade da democracia constitucional. A flagrante desconexão da política com a lógica da vida dificulta a exequibilidade do diálogo democrático como via eficaz da pacificação social. Não à toa, os extremos se exaltam, a razão cede e as instituições decaem.
Na busca de soluções, andamos perdidos em um labirinto sem luz. Sim, as velhas respostas não mais resolvem os problemas correntes. O apelo ao passar do tempo, como anestésico coletivo, também perdeu eficácia prática. Isso porque o presente exige responsividade imediata e especial capacidade de persuasão emocional. Acontece que a política e os políticos, com seus movimentos lerdos, distantes e solenes, não conseguem mais convencer nem impressionar ninguém; vivem um mundo à parte, tratando o povo como tolos em um jardim de infância.
O fato é que o jogo mudou, ganhou velocidade e alta capilaridade na corrente sanguínea social. Objetivamente, com a telefonia móvel e a popularização dos smartphones, houve definitiva ruptura nas técnicas de percepção pública do funcionamento do poder. A falência das instâncias tradicionais de aglutinação social faz o sistema desmoronar em efeito dominó, vendo o renascer de formas aleatórias e diretas de participação cívica nos rumos da democracia.
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No macrojogo estrutural do poder, a embrionária engrenagem em curso exige novos players, novas regras e novos instrumentos de mediação da vida social. Tal como ocorrerá nos negócios empresariais, a política também será verticalmente transformada pelo impacto de uma inovadora tecnologia democrática que libertará energias e recursos para o surgir de um sistema de poder mais decente, simples e responsivo aos cidadãos.
As tensões contemporâneas representam justamente a zona de transição entre o que se foi e aquilo que será. No corrente renascimento do civismo democrático, faz-se imperativo que líderes públicos conscientes assumam o dever da responsabilidade política, guiando a sociedade – por meio de diálogo inclusivo e da ação agregadora – a patamares civilizatórios superiores e com melhores perspectivas a um povo cansado de ser enganado.
Antes de um sonho ideal, a democracia é prática diária. E, regra geral, a prática eleva qualitativamente o nível da partida. Então, podemos ser otimistas e acreditar que é sim possível mudar o Brasil. A questão é se estamos realmente dispostos a nos dedicar firmemente à causa democrática, fazendo desse gesto cívico genuíno a diferença positiva na vida dos brasileiros.
Fonte: “Opinião e Crítica”, 03/03/2020