Trata-se de uma homenagem tardia a São Paulo, mas, no meu entender, ela deve ser feita. Um povo não é um povo se não guarda na memória os seus valores, a sua história e os seus heróis. Heróis, sim, porque em todos os lugares existem heróis. Pouco importa se sua glória nasceu de um único momento de bravura ou de toda uma vida de trabalho honesto e extenuante. A biografia de um herói não mais pertence a ele ou aos seus familiares. Ele se transformou num símbolo e, assim, depositário de todas as virtudes cívicas que cada um dos cidadãos se esforça por ter. Um povo que ignora a sua história não é um povo, é uma massa amoldável aos interesses de seus governantes.
Neste último 25 de janeiro – dia do aniversário desta capital e também do Estado -, de tudo o que li e ouvi, muito pouco se disse sobre a Revolução de 32. Ainda é tempo para reparar.
O tráfego é intenso nas imediações do Parque do Ibirapuera, de modo a que ninguém preste atenção ao Obelisco que lá existe. O Monumento às Bandeiras – ao qual Vitor Brecheret dedicou mais de 30 anos – encontra-se logo adiante e tem destaque muito maior.
Mesmo dos que observam de mais perto o Obelisco, poucos sabem o que ele representa. Ora, obeliscos existem em todas as grandes cidades do mundo, dirão alguns. Outros sabem que o monumento é uma homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932, mas mesmo assim não lhe dão maior valor: “Afinal, essa foi uma guerra que São Paulo perdeu, não é verdade?”.
As crianças em outros Estados são ensinadas sobre o episódio como a “Guerra Paulista”, na qual as elites paulistas teriam instigado a população a um confronto suicida com as tropas federais. Segundo essa versão, as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais – que tinham em suas mãos o domínio do governo federal – estavam inconformadas por tê-lo perdido para um gaúcho, Getúlio Vargas, “o qual governava pensando no País inteiro”.
“O que São Paulo pretendia era separar o Estado do restante do Brasil”, dizem outros. Eu, como paulista, tenho outra visão.
A Revolução Constitucionalista representou, de forma inquestionável, o momento mais heroico de toda a História do povo de São Paulo. Ela merecia aquele Obelisco e muito mais.
Mas São Paulo perdeu a guerra, alegarão alguns. Pouco importa. O fenômeno a ser ressaltado aqui é o de que nunca um movimento político obteve tanto engajamento, apoio e ardor de toda a população quanto a Revolução Constitucionalista paulista. Tanto os partidos e facções da política local como também os agricultores, os industriais e os comerciantes do Estado se uniram pela causa comum. Na campanha “doe ouro para o bem de São Paulo”, nem mesmo a população mais humilde deixou de contribuir. Desde grandes colares até alianças de casamento, cada cidadão contribuiu de acordo com as suas posses.
De todos os cantos do Estado, centenas de milhares de paulistas se apresentaram para o alistamento. Ninguém tinha experiência anterior de combate. Depois de feita a seleção, restaram 40 mil homens aptos para os campos de batalha.
Nosso exército não era composto por soldados profissionais, mas por voluntários. De militar, realmente, só havia o apoio da Força Pública – que, muitos anos depois, viria a se transformar na Polícia Militar do Estado de São Paulo. A corporação tem todos os motivos para se vangloriar de seu passado: ela foi criada nos tempos em que o padre Feijó era regente, durante a menoridade de dom Pedro II.
As tropas federais contavam com um número muito maior de soldados, mais preparados para um teatro de operações de guerra. Acabamos por ser militarmente derrotados. O sangue de pelo menos 800 paulistas foi derramado nos campos de batalha. Milhares foram presos e deportados.
Pergunta-se aos de fora: nós nos arrependemos disso? A resposta é um resoluto não!
Getúlio Vargas atendeu a praticamente todas as nossas reivindicações. E isso não aconteceu por acaso, nem por uma suposta benevolência dos vencedores. São Paulo já era, então, o principal polo de criação de riquezas no Brasil. Grande parte do café e da incipiente indústria brasileira provinha daqui.
Mas se cuidou de enfraquecer o nosso poder político. A nossa cota de deputados federais é pouco maior que metade da que deveríamos ter se o critério fosse realmente o de proporcionalidade da população nacional. E dos impostos federais que são recolhido aqui, não mais que um décimo retorna em nosso benefício.
Quem melhor definiu o problema foi o general Golbery do Couto e Silva, ideólogo do movimento de 1964: “Quem tem o poder econômico não pode também pretender ter o poder político”. Ou seja, São Paulo está até hoje pagando “indenizações de guerra” aos vencedores…
Mas não nos arrependemos de nada. Continuamos a acreditar nas mesmas causas e persistiremos em ostentar as mesmas bandeiras. Defendemos o que tinha de ser defendido e é só.
Hoje, oito décadas passadas, são poucas as pessoas com idade bastante para terem presenciado o fervor revolucionário daquela época, o suficiente para terem vivido e vibrado com a causa paulista. A verdade, todavia, é que nunca antes – e nunca mais depois de 1932 – os paulistanos e os paulistas vibraram de forma tão unida pelos mesmos ideais. Perdemos a batalha, mas, ao mesmo tempo, vencemos uma guerra: o Obelisco do Ibirapuera, como um sentinela, em pé, significa que nunca mais ninguém se atreverá a confrontar São Paulo.
Em homenagem aos nossos heróis de 32, estão gravados nas paredes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco estes versos de Tobias Barreto, que resumem em poucas palavras o espírito e a disposição dos paulistas: “Quando se sente bater / No peito, uma heroica pancada/ Deixa-se a folha dobrada/ Enquanto se vai morrer”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/01/2012
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