Há mais de três décadas, contando com tratamento social e político irresponsável, o crime organizado vem consolidando seu poder sobre as zonas de favela dos grandes núcleos urbanos do país. E sublinhe-se: em relação ao processo em curso, o Rio de Janeiro tem sido, apenas, o exemplo mais notório porque dispõe de maior visibilidade nacional e internacional. Mas não é caso isolado. Não é mesmo!
Preferiria não ver minha opinião confirmada a golpes de fatalidade na bigorna dos fatos. Mas o que assistimos nestes dias estava sendo incubado nos acordos de convivência celebrados entre as autoridades e o mundo do crime, no tolo romantismo pacifista do movimento Viva Rio, na justificação ideológica da bandidagem pela esquerda, no relativismo moral e na perda de religiosidade. Foi ganhando força com a banalização da violência nos meios de comunicação, da instituição familiar e com a generalização da canalhice. Avançou graças à brandura do nosso código penal, às remansosas e sinuosas curvas por onde fluem os processos, às facilidades concedidas ao crime e às dificuldades impostas ao seu combate. Consolidou-se na consequente impunidade e na insuficiência qualitativa e quantitativa dos nossos estabelecimentos penais. E por aí vai (inclusive, que fique claro para quem já está de dedo em riste querendo pedir um aparte, no vasto conjunto dos problemas sociais acumulados em nosso país). Mesmo depois de oito anos de Lula – viu aí, “aparteante” de dedo em riste?
No Rio de Janeiro, sucessivos governos fecharam os olhos para o que acontecia. A dupla Anthony e Rosinha Garotinho herdou de Brizola a tendência de achar que era exagero tudo que se dizia sobre a criminalidade no seu Estado. Para ambos, a única coisa anormal, por lá, era o César Maia. Anos a fio, eventos triviais como, por exemplo, a corridinha a beira-mar promovida por um “sarado” grupo de favelados, a cordial saudação a um veículo de transporte coletivo feita com rajada de metralhadora, o periódico intercâmbio de munição entre policiais e traficantes, o enlutado fechamento do comércio do morro quando falece algum empresário da “Câmara Setorial do Pó”, apenas por ocorrerem no Rio de Janeiro, eram maliciosamente apresentadas à opinião pública como arrastão, chacina, tiroteio e estado paralelo. Muita má vontade!
Criaram um monstro, leitor, e agora resolveram espaná-lo morro acima. Enquanto o faziam, a nação, no camarote do sofá, boquiaberta, queixo apoiado no colo, assistia às cenas da guerra. No fundo, cá entre nós, muita gente fugindo e quase ninguém sendo preso. Bastante fumaça e pouco resultado para os riscos da operação. Me fez lembrar a diferença entre o espanador e o aspirador de pó. O poder público agia como espanador, mas a situação estava a exigir um aspirador. Os bandidos simplesmente mudavam-se de um lugar para outro, qual poeira sacudida, levando suas armas e suas bagagens. De mala e cuia, como se diz no Rio Grande do Sul.
Em todo caso, fica-nos a lição. O mesmo mal, repito, está sendo incubado em todas as grandes metrópoles brasileiras. Se não for enfrentado com aspirador, vai ficar igualzinho ao Rio. E você não precisará ligar o televisor. Bastará abrir a janela para assistir a guerra. Saia do sofá, leitor. E acorde o seu governante.
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