Não foram poucas as vozes em apoio à bandeira defendida por Sérgio Cabral, governador do Rio, e por seus colegas de Estados produtores de petróleo.
A “guerra do petróleo” tem base constitucional. É o que diz o artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição: “É assegurada (…) aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios (…), participação no resultado da exploração de petróleo (…) e de outros recursos minerais, no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”. Os Estados podem se tornar sócios diretos na exploração desses bens -todos pertencentes à União, ou seja, ao povo brasileiro- ou serão compensados pela atividade realizada por terceiros. O Rio não precisa invocar “boas razões” para defender seus royalties. Basta a própria norma constitucional.
A emenda do deputado Ibsen Pinheiro, ao atropelar o bom senso e a Constituição, faz mais estrago do que as máquinas de guerra avançando sobre a floresta multicolorida dos Na’vi no filme “Avatar”. Há mais para ser dito nesse debate além da sua dimensão constitucional. O defeito jurídico da emenda já está detectado, para não repetir o que diz o advogado Regis Fichner em artigo na Folha (22/3, pág. A3): ao tentar alcançar os royalties já em pagamento, alterando sua apropriação a posteriori, o pretenso legislador ofende os princípios gerais do direito, violando até o que já foi adquirido.
As dimensões tributária e social-temporal dos royalties me parecem ainda mais interessantes. Como qualquer taxa, os royalties são uma forma de tributo que a sociedade destina à União, aos Estados ou aos municípios para realizarem suas missões. Seria razoável que o cidadão-contribuinte também saísse às ruas para protestar por redução na carga dos demais impostos e contribuições, em decorrência da bonança das futuras arrecadações do petróleo. Dou exemplos práticos da injustiça cometida: no Brasil, os mais pobres sofrem forte taxação sobre alimentos e remédios. Essa carga tributária cruel e regressiva (pagam relativamente mais os que ganham menos) chegava, até pouco tempo, a cerca de 8% da renda de um trabalhador de até dois salários mínimos. Natural seria a introdução de um mecanismo de “compensação” direta ao povo, de modo que a União e os Estados, premiados com royalties, em contrapartida desonerassem a cesta básica de primeira necessidade, hoje taxada com Cofins, PIS e ICMS, só para lembrar os tributos mais odiosos.
Outra dimensão esquecida dos royalties é o direito de quem não terá tanto petróleo para explorar no futuro -falo das gerações vindouras-, mas que ficará, certamente, com o ônus de sustentar a geração atual, se esta resolver “fazer churrasco” com a megassena do petróleo. Há um claro compromisso intergeneracional com os royalties, frequentemente esquecido porque as futuras gerações não têm advogados contratados para defendê-las (talvez o Ministério Público pudesse fazê-lo…).
O Estado do Rio destina parte substancial de seus royalties para bancar os compromissos previdenciários com seus servidores públicos. É um exemplo a seguir. Temos só de ir mais longe, prevendo que a União destine, à previdência de todos os brasileiros, os direitos em petróleo por ela detidos. Em todos os países sérios, abençoados pela fortuna petrolífera, criou-se um fundo previdenciário coletivo com o qual ainda se financia a infraestrutura nacional.
Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo” – 24/03/10
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