* Por Pedro Ferreira e Renato Fragelli
As redes sociais no Brasil parecem viver em estado de esquizofrenia. Inúmeras mensagens e posts chamam atenção, quase histericamente, para o risco de o Brasil se tornar uma ditadura bolivariana, à la Venezuela, se Fernando Haddad for eleito. Outra grande parte prevê que se Jair Bolsonaro for o eleito, o país se transformará num Chile de Pinochet, com alguns mais exagerados já prevendo a Alemanha de Hitler. A acreditar nisso tudo, estaríamos a um passo de um regime autoritário, independentemente de quem ganhar.
Esses exageros retóricos mostram não só a radicalidade de posições extremas, mas a superficialidade do debate. Falta perguntar por que o PT não nos levou à ditadura socialista em seus 14 anos de governo. Ou, indo além de declarações lamentáveis do candidato Jair Bolsonaro sobre a ditadura militar e o coronel Ustra, mostrar exatamente a evidência, plano e principalmente a factibilidade, de uma guinada autoritária. Os riscos dessas duas alternativas, em nossa opinião, são zero. O verdadeiro risco à frente é termos quatro anos de péssimo governo, com políticas equivocadas (ou impraticáveis), incapazes de resolver os mais sérios problemas que assolam o país.
Considere-se o mais premente de todos: o imenso e crescente desequilíbrio fiscal. Se nada for feito no curto e médio prazo, não haverá espaço para qualquer outra política que não seja pagar salários, pensões, aposentadorias e juros de uma dívida que segue trajetória insustentável.
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O candidato do PT apresentou um plano de governo onde nega a seriedade do problema, além de propor medidas que estão longe de solucioná-lo, como, por exemplo, a taxação de grandes fortunas. Repetindo o que não deu certo no governo Dilma Rousseff, seu programa defende o aumento de gastos para impulsionar a economia e investimentos privados. Esses gastos se pagariam com o aumento da arrecadação gerada pelo maior PIB.
Sem entrar em detalhes técnicos que ensinamos aos nossos alunos de primeiro ano, esse raciocínio presume que, para resolver o problema fiscal, um aumento de 1% dos gastos públicos geraria uma expansão de 5% do PIB. Esse número é ridiculamente exagerado, as maiores estimativas na literatura, e sob condições não observáveis no Brasil, estão em 1,5%. Em suma, não funciona.
Além disso o programa petista se opõe ao teto dos gastos e silencia sobre a reforma da previdência. Dada a oposição do partido e da esquerda em geral à reforma proposta pelo governo Temer, não se esperaria que – a menos de mais um estelionato eleitoral – algo substancial possa ocorrer nessa dimensão em um governo Haddad. Sem reforma da previdência e um decidido ajuste fiscal, vai-se enxugar gelo por 4 anos. Isso sem falar na explosão da dívida, acompanhada de baixíssimo crescimento, culminando na volta da inflação. Em 2002 Lula abraçou uma agenda reformista liberal e fez um bom governo. As chances agora de isso se repetir, pelo menos a partir dos sinais da campanha, são baixas.
Em que pese o otimismo do mercado com a perspectiva de um governo Bolsonaro, os sinais são também confusos. O histórico do candidato não é bom. Em artigo recente, Pedro Nery levanta “os 67 discursos de Bolsonaro contra reformar a Previdência, que agora defende”. O artigo mostra que, ao longo de sua atuação no Congresso, o deputado se opôs a qualquer mudança no sistema previdenciário, como a introdução da contribuição dos inativos do setor público, aumento da idade mínima para a aposentadoria do servidor (ou de qualquer trabalhador), entre outras.
O mais preocupante são declarações recentes de que a reforma de Temer não passa no Congresso – estaria já lavando as mãos? – e o plano absolutamente vago, defendido por sua equipe, de mudar o atual regime previdenciário para um regime de capitalização. Sem entrar em detalhes técnicos que ensinamos aos nossos alunos de terceiro ano, o custo da transição de um sistema para o outro está certamente acima de um PIB, e não se sabe de onde sairia esse dinheiro.
Preocupa também declarações de que parte do déficit público será coberto com privatizações. Há aqui um claro problema operacional e de timing, as privatizações demoram e o déficit previsto para 2019 é enorme. Há um óbvio problema de estoque e fluxo: sem uma consistente reforma da previdência, uma vez vendida as estatais, o buraco fiscal continuará lá.
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Entretanto, o que mais preocupa é a falta de convicção do candidato nesse caminho. Bolsonaro sempre teve um viés estatizante, em sua atuação no Congresso. Votou, por exemplo, contra a quebra do monopólio das telecomunicações e do petróleo, entre outros. Pessoas mudam de opinião e isso pode ter ocorrido. Entretanto, em declarações recentes, o candidato repetiu a ladainha das estatais “estratégicas”, ao mesmo tempo que afirmou que privatizará somente aquelas que dão prejuízo. Há aqui um nacionalismo setentista que não combina com as declarações de sua equipe econômica, de viés liberal. Mas quem terá a palavra final será o presidente, claro.
Sobre temas de longo prazo, como educação, produtividade e eficiência econômica – principais freios ao crescimento do país – as duas campanhas estão devendo os detalhes de suas políticas. A lista é grande e os equívocos repetidos no campo petista, e as simplificações e falta de detalhes de seu opositor, suscitam dúvidas e preocupações quanto ao que nos espera nos próximos quatro anos. Difícil ser otimista com o que foi apresentado até agora.
Fonte: “Valor Econômico”, 17/10/2018