Após a “festa da democracia” do último dia 2 de outubro, vemos celebrações e lamentações em relação aos resultados. No entanto, para além disso, precisamos refletir sobre os graves problemas do sistema eleitoral que produziu tal resultado.
Quando falo em graves problemas, não me refiro a eventuais erros e acertos do TSE ou das urnas, mas ao desenho do sistema. No texto, vou me ater a dois pontos que considero mais graves e que tornam o sistema eleitoral pouco representativo e, em grande medida, antidemocrático.
O sistema proporcional puro é disfuncional e gera baixa representatividade dos partidos
Quantos votos é preciso para eleger um deputado no Brasil? Essa pergunta não tem uma resposta exata e mesmo pessoas com larga experiência em eleições tem dificuldade para respondê-la. Essa dificuldade advém, em primeiro lugar, de esse número (quociente eleitoral) mudar de estado para estado e, segundo, do fato de o quoeficiente só ser conhecido após a contabilização dos votos. Esse sistema faz com que seja plenamente possível que um deputado consiga 10 mil votos e seja eleito, enquanto outro consiga 100 mil, e não seja eleito. Essa já é uma grande disfuncionalidade antidemocrática do sistema proporcional puro, pois milhares de votos são jogados fora, caso um determinado número de votos não seja atingido (quociente eleitoral). Esse número não é conhecido previamente o que, portanto, inviabiliza o cálculo do eleitor. E ainda que se possa especular e fazer estimativas, ter de fazer contas antes de pensar em cada voto torna o sistema demasiado complexo, burocrático e elitista, prejudicando o eleitor comum, que desconhece os detalhes da legislação eleitoral.
Na mesma linha, outro grave problema do sistema proporcional puro é que todos os candidatos de todos os partidos disputam votos em todo o estado. Com isso, o primeiro potencial competidor de um candidato é o seu colega de partido, pois, a princípio, defende ideais e valores semelhantes e disputa o voto na mesma circunscrição (estado inteiro). Para contornar esse problema, partidos buscam candidatos “diferentões” que não disputam votos com os candidatos tradicionais e ajudam o partido a bater o quociente eleitoral e trazer mais alguns milhões em fundo partidário e eleitoral. Quanto mais exótico, melhor, a ponto de termos uma lista de atores e atrizes pornô disputando o pleito em 2022.
Assim, um partido tem duas opções: ou muita coesão partidária, gerando uma forte competição pelos mesmos votos, o que causa disputas e brigas internas; ou baixa coesão partidária, trazendo candidatos com pouca representatividade, mas que tenham capacidade de atrair votos que os candidatos tradicionais não consigam trazer, como ex-BBBs. A maioria dos partidos acaba escolhendo a segunda opção, fazendo com que haja pouca ou nenhuma coesão partidária, pautas pouco ou nada baseadas em princípios e valores, tornando o partido um amontoado de candidatos exóticos de modo a aumentar o fundo partidário e eleitoral. Esse incentivo perverso do fundo partidário faz com que tenhamos partidos fracos, pouco representativos, mas financeiramente opulentos.
Desequilíbrio no número de vagas é antidemocrático
O que você acharia de uma proposta que fizesse o seu voto valer menos quando você se muda do estado A para o estado B? Dificilmente uma proposta assim seria facilmente aprovada. Surpresa! O nosso sistema já é assim. Com um piso de 8 deputados federais por estado e um teto de 70 deputados, um voto no Rio de Janeiro ou Distrito Federal vale quase o dobro que um voto em São Paulo, e um voto em Roraima vale cinco vezes um voto na Bahia ou no Rio Grande do Sul.
Isso porque um deputado em São Paulo representa por volta de 650 mil pessoas enquanto um deputado no Rio de Janeiro ou Distrito Federal representa por volta de 370 mil pessoas. Por outro lado, um deputado em Roraima representa apenas 70 mil pessoas, enquanto um deputado na Bahia ou Rio Grande do Sul representa quase 380 mil pessoas.
A Câmara dos Deputados representa o povo, logo, deve ser proporcional. O voto de um carioca não deve valer mais que o de um paulista e o voto de um roraimense não deve valer mais que o de um baiano ou gaúcho. Além disso, os estados pequenos já são beneficiados pela igualdade de representação do Senado, que possui três senadores por estado, independentemente da população.
Assim, para ser democrático, o sistema deveria ter um número de vagas na Câmara que fizesse com que cada deputado representasse um número equivalente de eleitores, havendo, assim, uma democracia representativa justa e funcional.
Considerações finais
Democracia não é apenas votar a cada quatro anos para Presidente e Congresso, mas dar substância a esse voto para que possa, de fato, eleger candidatos capazes de representar as ideias do eleitor. Quando um sistema favorece a disfuncionalidade partidária, as candidaturas oportunistas e de pessoas que só participam do sistema para ajudar a bater o quociente e a elevar o fundo partidário e eleitoral recebido pelo partido, ou quando o voto de uma pessoa passa a valer menos quando ela se muda de um estado para o outro, não temos uma democracia substantiva, mas apenas um rito burocrático e caro dentro de um sistema já extremamente complexo, disfuncional e caro. A sociedade civil e os economistas têm discutido a necessidade de uma reforma tributária que simplifique o sistema e melhore a qualidade do sistema tributário, gerando um maior crescimento econômico. De modo semelhante, a sociedade e o Congresso precisam começar a discutir uma reforma política que simplifique o sistema, tornando-o inteligível para o cidadão comum, gerando maior representatividade democrática.