Em outubro de 2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria apertada, decidiu pela constitucionalidade do pronto cumprimento da pena após o julgamento penal-condenatório em segundo grau de jurisdição, salvo a excepcional concessão de efeito suspensivo pelas cortes superiores. Menos de dois anos se passaram e aquilo que foi decidido passou a ser novamente questionado, concedendo-se, inclusive, um inédito salvo-conduto pré-datado ao ex-presidente Lula.
Ora, não se discute, aqui, o alto dever de o Supremo revisar seus posicionamentos quando o espírito de justiça assim o determinar. Sabidamente, decisões judiciais não são feitas de pedra, mas de valores jurídicos suscetíveis à natural influência do avançar da vida social. Logo, o progredir da existência traz consigo um natural efeito renovador da lei e de suas interpretações. Ou seja, a revisão jurisprudencial deve ser um processo de aprimoramento civilizatório, e não um retrocesso institucional.
Como bem apontou a sabedoria superior de Oliver W. Holmes, um dos maiores juízes constitucionais americanos, “a lei é a testemunha e o depósito externo de nossa vida moral”. Será, então, que a legalidade brasileira quer testemunhar a impunidade dos corruptos ou almeja a punição exemplar de criminosos? Será que nossa vida moral deseja exaltar valores de honra e decência ou ser apenas um teatro profano para a arrogância dos canalhas? Aliás, será que a Constituição apoia o assalto à Petrobras ou quer a firme punição de todos os envolvidos?
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A decadência estrutural da república
Na verdade, temos de decidir até quando seremos um país de mentiras. Um país que festeja safados e pune trabalhadores honestos. Um país que eleva os espertos e rebaixa a inteligência. Um país que abraça a imoralidade e considera os éticos uns panacas. Um país que premia o mau pagador e cobra inteiro de quem honra suas obrigações. Um país onde corruptos têm foro privilegiado e que remete o cidadão às instâncias de origem. Um país que diz ter lei, mas apenas o vê o triunfo das injustiças. Até quando aceitaremos tudo isso e ficaremos calados?
Enquanto a voz da democracia dormir, a pilhagem da República continuará sua marcha destrutiva. Ou acordamos para a vida ou a corrupção enterrará o Brasil.
Cabe ao Supremo, portanto, defender a honra da Constituição. E não existe maior desonra democrática do que uma política corrupta. Não podemos mais fechar os olhos para a realidade. Chega de fazer piruetas jurídicas para defender a liberdade daqueles que devem estar na prisão. Lances de retórica não estão acima dos imperativos da decência. Num mundo de cifras, está na hora de resgatarmos os valores que nos formam.
Durante muito tempo, a arbitrária vontade dos poderosos se sobrepôs aos ditames da lei. Os inquilinos do poder faziam tudo e nada lhes acontecia. Com muito custo, iniciou-se um movimento histórico de reconstrução ética da vida pública nacional, expurgando, à luz do devido processo legal, aqueles que não dispõem dos requisitos morais mínimos para o exercício sério e responsável dos altos deveres republicanos. Aqui chegando, não podemos retroceder. A marcha da evolução caminha para a frente.
Sim, nunca antes na história deste país um tribunal foi tão importante na elevação da honestidade pública, na modelar punição dos traidores do povo e na isonômica aplicação da lei. Nas horas mais difíceis, os homens se provam grandes ou se fazem pequenos. A máxima de “não seguir a maioria para fazer o mal” é, no dizer do jurista italiano Gustavo Zagrebelsky, o ensinamento divino para que os juízes honrem o seu dever. No fim, resta apenas uma pergunta: há lei no Brasil ou apenas um jogo de poder?
Fonte: “Gazeta do Povo”, 29/03/2018