Parece um romance de Vargas Llosa, com seus políticos corruptos e intelectuais provincianos, mas é o que o escritor está vivendo na carne, como protagonista de uma polêmica que tem tanto de trágica como de cômica, no teatro do absurdo latino-americano.
Na Argentina, o diretor da prestigiosa Biblioteca Nacional, Horácio Gonzalez, e um grupo de intelectuais nacionalistas exigiram em carta aberta a Cristina Kirchner que fosse cancelado o convite a Vargas Llosa para fazer a abertura da Feira do Livro. Porque é um estrangeiro que fez críticas severas aos governos do casal K e por “sua posição política liberal e reacionária, inimiga das correntes progressistas do povo argentino”.
O absurdo se encontra com o ridículo em Buenos Aires: como Jorge Luís Borges, o gênio literário argentino e diretor da Biblioteca Nacional por 20 anos, tinha posições políticas muito mais à direita do que o liberal Vargas Llosa, pelos critérios do atual diretor, não poderia ser convidado. Emir Sader estaria mais qualificado.
Cristina manteve o convite, mas a polêmica pegou fogo, pelo seu caráter simbólico. Vargas Llosa é um peruano duro e vai preparado para a recepção dos que ele chama de “piqueteiros intelectuais”, que tentam calar qualquer voz discordante com seus bumbos e slogans. Para os argentinos deve ser doloroso lembrar que nos anos 40 eles viviam em um dos países mais prósperos do mundo, com um padrão de vida europeu e o melhor sistema de ensino das Américas, mas agora vão de mal a pior. E a culpa não é dos estrangeiros.
Não é só um episódio pequeno e constrangedor para os portenhos, é uma concentração de sintomas das doenças crônicas da América Latina: o nacionalismo, o populismo e o autoritarismo, que antes eram de direita, agora são de esquerda, sempre em nome da pátria. Como se houvesse um “autoritarismo do bem” e um “do mal”, e as pessoas fossem divididas entre boas e más.
Parece um poema de Manuel Bandeira em que o médico diz que ele está condenado pela tuberculose:
“Mas, doutor, não é possível tentar um pneumotórax?”
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Fonte: O Globo, 18/03/2011
Amei o artigo. Coitados dos nossos vizinhos argentinos, tem gente no controle da maquina cultural ate piores do que nós macaquitos brasileños!