Lei dos Planos de Saúde, aprovada em 1998, engessou o sistema de tal forma que hoje é praticamente impossível desatar os seus nós
Não é de hoje que médicos e planos de saúde privados divergem, discutem, brigam.Naorigem das diferenças, como não poderia deixar deser, está a remuneração paga pelas operadoras aos profissionais conveniados ou referenciados. Para os médicos é pouco, para as operadoras é o possível. Um dos lados está certo? Os dois estão! Para se entender isto, é complicado, porque, na base de tudo, está a Lei dos Planos de Saúde, aprovada em 1998, que engessou o sistema de tal forma que é praticamente impossível desatar seus nós e chegar a uma solução que seja tolerável para todos.
O maior problema da lei foi definir os tipos possíveis de planos de saúde privados. Ao fazê-lo, ela tolheu a criatividade das operadoras e, consequentemente, a possibilidade do desenvolvimento de planos adequados a determinadas situações dos seus consumidores. Deoutrolado,ao contráriodos planos de saúde privados internacionais, os planos brasileiros não permitem às operadoras saber qual é sua responsabilidade máxima anual por paciente.
Da forma como a lei determinou o desenho dos planos brasileiros, as operadoras podem ter de suportar despesas extremamente altas, dependendo da necessidade de atendimento paracada situação de seus clientes. Ao não ser possível quantificar o custo máximo por paciente, a operadora é obrigada a colocar mais um carregamento no preço, destinado justamente a fazer frente aos imprevistos incalculáveis. Sem isto, ela ficaria, no caso da acumulação dessas situações, sujeita a sofrer profundos desequilíbrios de caixa, que poderiam inclusive afetar sua capacidade de atender os demais consumidores.
Como se não bastasse, os planos brasileiros têm uma estrutura de preço, definida pela lei, que sacrifica os muito jovens e os consumidores da terceira idade. Ao ter um número determinado de aumentos ao longo da vigência do plano, a operadora tem de começar cobrando caro e terminar cobrando caro para fazer com que aconta feche. E mesmo assim, no longo prazo, é possível que todo o sistema de saúde privado brasileiro venha a se tornar inviável, em função da quase que impossibilidade do equilíbrio atuarial das carteiras das operadoras.
Podem dizer que neste momento o quadro não aponta para isso,masnão éverdade.O que acontece é que o Brasil atravessa um momento único de crescimento econômico-social, que tem levado à rápida expansão do número de segurados das operadoras privadasde saúde. Com a entrada dos novos consumidores, somada à estrutura de carências, os resultados de algumas operadoras têm sido positivos, mas mesmo isto não é uma regra.
De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o País tem hoje 62 milhões de consumidores de planos de saúde privados, espalhado sem 1.620 operadoras. O faturamento do setor está em R$ 73 bilhões anuais, dos quais – este é o dado ruim –80% são utilizados para indenizar as ocorrências cobertas. Quer dizer, sobram 20% para fazer frente às despesas comerciais, administrativas, impostos e, se sobrar, lucro dos acionistas. Apenas a título de comparação, a comissão de corretagem média de um seguro de automóvel é de algo próximo a 20% do prêmio. É verdade que as comissões dos planos de saúde são calculadasde outra forma, mas,ainda assim, a sua soma com as despesas administrativas e com a carga tributária reduz muito a margem das operadoras.
Então os médicos não devem fazer nada e se conformar com o pagamento de algo próximo a R$40,00 por consulta? É evidente que não. Mas a solução para o problema só será encontrada quando todos perceberem que o cobertor é curto e que uma briga pela sua posse pode deixar o frio do inverno acabar com a festa. Se todos quiserem levar o máximo de vantagem, quem vai perder é a sociedade brasileira, porque os planos vão quebrar e o resultado será a população democraticamente atendida pelo SUS, que hoje já não dá conta de sua missão.
É importante salientar que a ANS tem agido com prudência e ponderação. Se todas as partes se mirarem nela, o entendimento pode ficar mais fácil.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/09/2011
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