Após um segundo turno durante o qual a crise fiscal ficou à margem do debate, a situação dramática das contas públicas está de volta à ordem do dia. Para que a trajetória da dívida pública seja estabilizada, é necessário um ajuste fiscal de cerca de 5 pontos percentuais do PIB. O teto de gastos produz essa economia ao longo de dez anos, mas não se sustenta sem uma reforma significativa da previdência.
De acordo com as declarações do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, sua estratégia para a estabilização da relação dívida/PIB tem dois componentes principais. O primeiro é a manutenção do teto de gastos combinada com uma reforma da previdência. Embora os detalhes ainda não estejam claros, esta reforma combinaria uma mudança paramétrica do regime atual, nos moldes da proposta do governo Temer, com uma transição para um regime de capitalização para os novos trabalhadores.
O segundo elemento da estratégia de ajuste é a privatização de empresas estatais e venda de ativos da União, de modo a reduzir o estoque da dívida. Dependendo da magnitude da queda, a taxa de juros poderia cair de forma significativa, fazendo com a dívida passasse a crescer a uma velocidade menor.
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Independentemente dos seus méritos, a possibilidade aventada por Guedes esta semana de venda de reservas internacionais para abater uma parcela da dívida pública se insere nesse plano de combinar venda de ativos com medidas de contenção das despesas. Embora tenha sido interpretada por alguns analistas como uma possível mudança no regime cambial, Guedes foi explícito em relação ao seu impacto fiscal, ao mencionar uma hipotética redução da dívida em R$ 500 bilhões por meio da venda de US$ 100 bilhões a uma taxa de câmbio de 5 reais por dólar.
Guedes também fez referência a uma reforma do Estado, possivelmente associada a uma revisão da carreira do funcionalismo, redução do número de ministérios e introdução de mecanismos de avaliação do gasto público.
A fusão anunciada dos ministérios da Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento, Indústria e Comércio vai nessa direção, ao incorporar à Fazenda a gestão de pessoal, a secretaria de gestão das estatais e a administração do patrimônio da União, que se encontram atualmente sob a alçada do Planejamento.
A incorporação do MDIC também permitirá um melhor controle de despesas com políticas de apoio a empresas, que somam cerca de 4,5% do PIB, envolvendo subsídios diretos, subsídios creditícios e renúncias tributárias. Diante de seu elevado custo fiscal e da ausência de impacto sobre a produtividade, é necessário rever esses programas e reduzir seu tamanho. Mesmo para os empresários que se beneficiam dos incentivos, eles provavelmente se tornaram disfuncionais, na medida em que dificultam o equilíbrio macroeconômico e retardam a recuperação da economia. Como disse Guedes, para salvar a indústria é preciso “proteger a indústria dos industriais”.
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Embora a discussão de uma transição para o regime de capitalização tenha méritos, a urgência do problema fiscal exige um “conserto” do regime atual de repartição, como disse Guedes. Nesse sentido, o melhor a ser feito é tentar aprovar o mais rápido possível a proposta de Temer que se encontra na Câmara dos Deputados.
No entanto, os sinais de que isso vai acontecer são pouco promissores, a julgar pelas declarações de parlamentares e de membros da própria equipe do presidente eleito. Alguns argumentos apresentados são difíceis de entender mesmo no contexto político. Um deles é de que Bolsonaro não deveria arriscar o capital político que obteve nas urnas tentando aprovar uma reforma complicada como a da previdência. Isso representa uma inversão do raciocínio usual de que reformas difíceis devem ser aprovadas logo no início do mandato justamente para aproveitarem o capital político conferido pelas urnas.
Pouco tempo atrás dizia-se que votar a favor da reforma da previdência antes das eleições significaria um grande risco para o parlamentar de não renovar o mandato. Agora que as eleições se passaram e metade do Congresso não foi reeleita a despeito da reforma não ter sido aprovada, o argumento é de que aprovar a reforma reduziria a chance de eleição daqui a quatro anos. Ou que poderia parecer uma retaliação por parte dos parlamentares que não foram reeleitos.
Caso a reforma não seja aprovada este ano, as chances em 2019 não parecem muito maiores. Como algumas pesquisas com os novos congressistas indicam, existe grande resistência à introdução de uma idade mínima de 65 anos no Regime Geral, mesmo com uma transição longa. Dado que a bancada alinhada com corporações do setor público dobrou de tamanho, também não será fácil mudar as regras do regime dos servidores.
Segundo Guedes, o tempo da economia é urgente, mas é preciso respeitar o tempo da política. Não se sabe qual o tempo da política, mas se ele divergir do tempo da economia por muito mais tempo a realidade econômica vai acabar se impondo de forma abrupta.
Fonte: “Blog do IBRE”, 05/11/02018