De fato, vivemos no país do “puxadinho fiscal”. O tempo todo presenciamos lobbies para burlar regras fiscais. Trata-se de um país sedento por dinheiro público com uma imensa dificuldade em ser produtivo e gerir seus próprios recursos. Há 40 anos, a economia brasileira “patina de lado” e ainda não abrimos discussões de onde queremos estar daqui a dez anos. Pautas importantes como: equilíbrio do orçamento público, corte de recursos desnecessários e comparações de políticas públicas que deram certo são assuntos que não ganham espaço em nosso país e só há espaço para discutir para onde irão mais recursos públicos com intuito eleitoral. É difícil o Brasil dar certo; para a classe política, regras não fazem sentido.
Temos três regras fiscais que deveriam servir para blindar o país de ataques legais aos cofres públicos, mas o que vimos, de 2013 para cá, são medidas populistas e mecanismos de contabilidade criativa que com o passar dos anos tornaram insustentável a efetividade da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Realmente vivemos um grande retrocesso; são 22 anos de criação da lei sofrendo constantes ataques e desrespeito. O teto de gastos, que veio como medida de contrapesos para limitar o crescimento das despesas públicas, perdeu efetividade e sobrevive por parelhos. Desde 2019, tivemos cinco emendas constitucionais alterando as regras do teto de gastos. A cada momento abrimos mecanismos e criamos novos “puxadinhos” para abrir um novo espaço fiscal. Estamos retrocedendo aos anos 80.
É possível considerar o Brasil como um país sério, que respeita os seus indivíduos, a sua Constituição e as contas públicas? É bem pouco provável. O que transparece de um país que já passou por 100 emendas constitucionais e a cada 100 dias altera uma e ainda tem quase mil PECs tramitando no congresso. Somos uma “bagunça organizada”.
Regras fiscais precisam ser respeitadas
O problema de ficar criando emendas para afrouxar mecanismos fiscais é a questão da fragilização institucional e moral que se tem a curto e médio prazo. A sensação que se repassa para classe política e sociedade é que a LRF é apenas uma medida fictícia; com isso, vem sendo comum presenciar acontecimentos absurdos como esse último da PEC do Auxílio Brasil, com o Congresso aproveitando os últimos segundos para saquear os cofres públicos na véspera da eleição. Aproveitaram os holofotes da “PEC Kamikaze” e camuflaram mais o “orçamento secreto” – aprovamos um pacote de medidas que afrouxa a lei eleitoral para permitir a distribuição de cestas básicas, tratores, ambulâncias, maquinários agrícolas, entre outros equipamentos durante o período de campanha.
É preocupante a radicalização das contas públicas para medidas totalmente eleitoreiras; são vícios que começam quando passamos a flexibilizar o teto de gastos e a LRF. Não só a ocultação do orçamento secreto: vemos também o Congresso aprovando a PEC 11/22 sem justificar de onde serão retiradas fontes de custeio, como é o caso do Piso dos Enfermeiros. Será comum daqui para frente se assustar com gastos “extra-orçamento”.
Outro gargalo na expansão de gastos com políticas de transferência de renda é a impossibilidade de cortar esses gastos depois de implementados. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), mesmo que o governo zere os 5 milhões de pessoas na fila do Auxilio Brasil, como é previsto na PEC, os gastos com o programa subirão ainda para ao menos R$7,7 bilhões para o ano que vem e irão atingir os R$96,7 bilhões. O governo irá zerar a fila, mas criará um gasto permanente que vai se refletir nos anos posteriores.
O problema não é o teto
Como dito, o problema não foi a maneira como foi costurado o teto de gastos, e sim como as coisas têm sido tecidas no cenário político. Deixamos para trás etapas que deveriam ter sido realizadas com a criação desse dispositivo. A grande sacada desse mecanismo fiscal foi ter um limite de gastos estabelecido pela União, com o objetivo de frear os gastos públicos e, consequentemente, o déficit fiscal do país, mas não fizemos grandes reformas e redução no orçamento público durante esses anos.
O teto de gastos não é o responsável pela diminuição do investimento público; na realidade, não conseguimos planejar um orçamento público. O Congresso anda mordido com a diminuição desse investimento, porém o fator que o limita são as altas despesas. Nisso, presenciamos embates constantes de quem levará um pedaço a mais do orçamento, um cabo de guerra que sempre existiu, mas hoje é mais visível pois existe o “teto”. Somos um país em que cada político “é dono” de um pedaço do orçamento. Em período eleitoral, isso fica ainda mais claro.
Como diz Gustavo Franco, “O teto de gastos é para orçamento responsável”.
Gastamos além do limite, gastamos dinheiro que não existe e tributamos em excesso para compensar esse gasto arraigado. Precisávamos definir um ponto de partida de quanto o estado precisaria gastar, mesmo que seja de maneira forçada, como era no princípio do teto de gastos. Esse foi o calo dos políticos desde sua criação: respeitar o que foi orçado e transparecer as diretrizes dos gastos públicos.
Respirando por aparelhos em 2023
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023 estima crescimento da economia em 2,5% do PIB e um déficit primário nas contas públicas de quase R$ 66 bilhões. Contrariando as projeções do governo, o mercado espera o crescimento de 1%. Como disse Nelson Barbosa, o pessimismo se dá por três motivos: o aperto monetário do Banco Central, a desaceleração mundial em curso e a perspectiva de ajuste fiscal contida na própria LDO. Apesar do crescente aumento na arrecadação de impostos, as contas públicas não fecham.
Seguiremos aumentando o quadro de endividamento com superávit do setor público só em 2025. Alcançados 88,6% em 2020, reduzimos um pouco a dívida bruta em 2021, para 80,3% do PIB, 79,3% em 2022, 79,6% em 2023 e 80,3% nos dois anos seguintes. O teto de gastos seguirá sem efetividade. O limite de gastos da União para o próximo ano é de R$ 1,79 trilhão, um aumento de R$ 108 bilhões em relação a 2022 – dados da LDO do Senado Federal.
A Regra de Ouro, essa nós descumprimos desde 2019. De acordo com a Constituição, o governo é proibido de fazer dívidas com novos empréstimos para pagar salários e aposentadorias, mas o Congresso Nacional tem permitido autorização especial e provavelmente manterá esse percurso para 2023. Como todo controle fiscal, a Regra de Ouro é importante, mas mantemos um estado deficitário e um enorme buraco fiscal. Na LDO 2023, o limite de operações de crédito será de R$ 17,3 bilhões; mas mantivemos o mecanismo que permite incluir, nos orçamentos fiscal e da seguridade social, tanto operações de crédito acima do limite constitucional como das despesas a serem custeadas com esses recursos, desde que o Congresso autorize.
Conclusão
Sim, as medidas populistas que o Brasil tem adotado, além de postergar os problemas, trazem consequências drásticas para o futuro. Se o atual governo reeleger o capital político na negociação com os parlamentares, será ainda mais caro, com baixa efetividade nos projetos aprovados. Como a oposição se articula caso alcance uma possível vitória, terá em mãos a imprevisibilidade das contas públicas e lidará com um um Congresso viciado em tão pouco tempo. Segundo Nelson Barbosa, tanto faz qualquer um dos governos, Lula ou Bolsonaro, quem assumir a cadeira pedirá para mudar a previsão de austericídio inscrita na LDO 2023.
Marchamos rumo a um estado de sufocamento; uma dívida pública elevada, baixo crescimento econômico, alta taxa de juros e a inflação galopante. O assustador nesse cenário que tem se desenhado é o retrocesso do arcabouço fiscal que o país tem tomado, retomando velhas manias dos anos 80. O estado perdeu a rédea do controle das contas públicas. Para deixar bem clara a perda de temor dos parlamentares com o comprometimento fiscal, para o próximo ano o senador Marcos Do Val (Podemos-ES), queria que o governo encontrasse quase R$ 40 bilhões em emendas parlamentares para a LDO 2023. O valor daria para custear a “PEC Kamikaze” inteira.
O Brasil precisa aprender a respeitar o orçamento público e excluir os “puxadinhos”. Definimos o orçamento e sempre arrumamos um “jeitinho” de incluir mais gastos alterando a Constituição para justificá-los. Expansão das emendas parlamentares, aumento do fundo eleitoral, PECs permitindo novas despesas , mas não olhamos para Constituição para expurgar esses gastos. Chega de ser o país do “deixa para depois” e passar a trabalhar dentro da normalidade.
Como diz Ayn Rand: “Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade.”