Finalmente alguma instância do Judiciário brasileiro manifestou-se sobre a constitucionalidade da racialização da nossa sociedade, cuja principal manifestação é a política de cotas raciais nas universidades. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou liminarmente inconstitucional a lei 5.346, que reserva 45% das vagas para alunos “carentes” que sejam ou negros ou indígenas ou estudantes de escolas públicas ou deficientes físicos ou filhos de policiais civis, militares, bombeiros e agentes penitenciários mortos ou incapacitados em serviço. À primeira vista, parece uma lei razoável, porque beneficia apenas os pobres.
Mas é pura ilusão. A lei deixou para as universidades decidirem quem é pobre, e elas decidiram: pobre é aquele com renda familiar per capita igual ou inferior a R$960 brutos. Consultei o IBGE: nesta condição, estão 75% da população do Rio de Janeiro, quase todo mundo, portanto. Os especialistas que adotam linhas de pobreza monetárias costumam estabelecer o corte de meio salário mínimo, R$232,50, para definir quem é pobre. Ou seja, o valor escolhido pelas universidades supera esse valor em mais de quatro vezes. Pense numa família de quatro pessoas, pai, mãe e um casal de filhos: se a renda da família for de R$3.840, eles terão direito a cotas, mesmo esse rendimento sendo típico de classe média. Quem se beneficiará das cotas, então? Aqueles que não precisam delas. Os pobres de qualquer cor, estes continuarão no último lugar da fila, porque, sendo menos preparados, disputarão as vagas com alunos de famílias com mais dinheiro e, portanto, com mais acesso à educação.
Mesmo que a lei beneficiasse de fato os pobres, do jeito que foi elaborada, continuaria a ser uma confissão do fracasso do Estado brasileiro. Ao beneficiar alunos da escola pública, o Estado admite, com todas as letras, que é incompetente na obrigação de dar ensino de qualidade e, por isso, adota uma medida compensatória: “Eu sei que ensino mal a vocês, mas não se preocupem, porque eu vou ajudá-los a entrar mais facilmente na universidade.” Ao beneficiar os filhos de agentes de segurança mortos ou incapacitados em serviço, “desde que carentes”, está também confessando: “Eu pago muito mal a vocês, que mereciam salários dignos, mas não se preocupem, seus filhos, caso vocês morram, terão uma ajudinha para entrar numa boa faculdade.”
Isso é falta de pudor.
Fez muito bem o Tribunal de Justiça ao declarar a inconstitucionalidade da lei (mesmo que, após um recurso ontem, tenha esclarecido que a medida não vale para o vestibular em andamento). Eu sei, os desembargadores se ativeram à Constituição Estadual, mas esta ecoa a Constituição Federal, e ela é claríssima em dois momentos. No artigo 3º, inciso IV, diz que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O inciso III do artigo 19º diz que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios “criar distinção entre brasileiros ou preferências entre si”. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro no seu artigo 9º, parágrafo primeiro, determina que “ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição”.
Precisa ser mais claro?
Precisa. Porque os arautos da racialização dizem que o artigo 145 em seu parágrafo 1º diz que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Para eles, a Constituição estaria, aqui, admitindo tratar os cidadãos de forma desigual, para beneficiar os mais pobres. Na busca pela igualdade, dizem, o Estado brasileiro estaria obrigado a tratar desigualmente os desiguais. E as cotas seriam expressão dessa necessidade. Da mesma forma, os racialistas sempre dizem que há várias leis protegendo os deficientes físicos, sem que ninguém diga que isso contraria o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.
Fumaça para embaralhar os argumentos.
Não sou jurista, mas vejo nos dois casos exemplos de previsões legais que favorecem, indistintamente, todos os cidadãos, ricos e pobres, deficientes ou não. Por quê? Porque ninguém está livre do futuro. Se um pobre ganhar dinheiro, pagará mais imposto. A lei não diz que a sua condição de pobre hoje o poupará para sempre de pagar impostos mais altos. O mesmo se dá, em sentido contrário, se o rico ficar pobre. Da mesma forma, nenhum cidadão está livre de se tornar deficiente, e, se isso vier a acontecer, estará protegido pela lei: sua condição, hoje, de homem sem problemas físicos, não o impedirá de se beneficiar da lei, caso venha a sofrer um acidente no futuro.
Com a cor da pele, isso não se dá. Brancos, pardos, morenos, amarelos jamais se beneficiarão de cotas para negros, porque não podem mudar de cor. A cor da pele, algo imutável, dá aos negros um privilégio que a Constituição proíbe. Com o efeito colateral de fomentar o ódio racial naqueles que ficam de fora.
Qual a solução? Uma lei bem simples, que beneficie os realmente pobres, de qualquer cor, filhos de quem quer que sejam, deficientes ou não. Fazendo isso, os negros serão os mais beneficiados, porque em sua maior parte são pobres, mas os brancos pobres, os amarelos pobres, os morenos pobres não ficarão a ver navios.
(O Globo – 02/06/2009)
Que modo babaca ver as coisas. Concordo com o ponto da renda, é pertinente. Não sou completamente favorável ao sistema de cotas, porque simplesmente altera parte do grupo que ingressa nas universidades, estando longe de atender todos aqueles que concluem o Ensino Médio e gostariam de cursar o Ensino Superior, ou seja, o sistema é uma insuficiente democratização do ensino na medida que não há aumento no número de vagas. Mas ser contra argumentando tratamento desigual e fomentação do racismo é demonstrar a visão distorcida da realidade. O racismo e a desigualdade social não passarão a existir por causa das cotas, eles já existem e são registrados historicamente. O racismo aberto e declarado não acabou com a escravidão. Hoje, negros ganham menos, têm infinitamente menor acesso à educação, à saúde, a tudo… Sai da universidade e vá para as ruas conhecer o mundo real, os livros que os burgueses escreveram não condizem com a realidade.
DEZ MOTIVOS PARA SER A FAVOR DAS COTAS RACIAIS:
1. Com as cotas, o país tenta pagar, em suaves prestações, uma enorme dívida social gerada pelos 300 anos de escravidão dos ancestrais da raça negra. Se os brancos de hoje têm uma vida próspera, devem, em grande medida, aos lucros auferidos do trabalho escravo dos antepassados negros, pois o trabalho escravo beneficiava não só os senhores de engenho, mas todos os agentes econômicos de então (banqueiros, comerciantes, industriais, prestadores de serviço, etc), cuja riqueza passou-se de geração em geração até os dias atuais (razão por que os negros continuam na miséria: herdaram a miséria). Em relação aos indígenas, o país tenta se redimir da morte de milhões de nativos, mortos por não se submeterem à essa mesma escravidão e por serem os legítimos proprietários das terras tupiniquins, que os brancos amealharam antes mesmo de porem os pés aqui;
2. O tema agiliza a discussão sobre a solução definitiva do problema: investimento no ensino público. Há séculos se houve falar nisso, mas não se implementa nada, condenando gerações e gerações de negros e indígenas à exclusão universitária;
3. Os cotistas introduzirão novas formas de pensar no ambiente acadêmico, diversificando a produção do conhecimento na formulação de novas perspectivas de solução dos velhos ou novos problemas. Atualmente, só há a visão majoritária da elite branca;
4. Futuramente, os cotistas ocuparão cargos-chave na sociedade, de grande projeção sócio-econômica (médicos, advogados, administradores, juízes, desembargadores, políticos, empresários, cientistas, etc), servindo de exemplos bem-sucedidos aos demais negros, carentes de “espelhos” e traumatizados por sua hereditária condição precária e marginalizada;
5. Num primeiro momento, o racismo brasileiro, que é latente, se aflorará, facilitando seu combate mais efetivamente, o que, num segundo momento, o enfraquecerá. Quando da abolição da escravatura, os brancos tinham esse mesmo receio, de que os negros, livres, poderiam querer se vingar deles. Nada disso aconteceu;
6. A verdadeira miscigenação não está na aparência da cor híbrida, gerada geneticamente, mas no convívio fraterno, respeitoso e harmonioso de todas as raças em todos os ambientes (Ora, se alguém admite que há racismo, então tem que admitir que há raças. Se não admite, hipócrita é);
7. Os shopping centers e o comércio em geral não necessitarão de utilizar “negrômetros” nem “indiômetros” em suas lojas, vez que os negros e indíos do futuro serão considerados “clientes” e não “indigentes”;
8. Os negros e índios terão ídolos em todos os campos da vida brasileira, não só nas artes ou nos esportes;
9. Não haverá “pipocas” no carnaval de Salvador, pois não se verá mais cordão de isolamento, dada a mistura de dentro e fora dos cordões;
10. O Brasil será próspero como nunca antes na história deste país.
A única ressalva é o carnaval e o futebol que vão perder brilho e magnitude.
Juliano, juro que eu ainda estou na dúvida se este seu comentário é sério. Até agora só percebi que vem sendo insistentemente repetido em todos os artigos sobre cotas… espero que não se importe de ter essa resposta repetida da mesma forma, ok?
Mas vamos lá: tudo o que você escreveu se baseia numa divisão da sociedade em dois tipos: “BRANCOS” RICOS de um lado e NEGROS E INDÌGENAS POBRES do outro. Ou seja, pra você não existem “BRANCOS” POBRES, né? Agora por partes, na ordem que você colocou:
1) Falso. Esta é a falácia mais repetida, por ignorância ou preguiça de lembrar das aulas de biologia do ensino médio. Quem hoje é fenotipicamente “branco” pode ser genotipicamente negro, e vice-versa. Ou seja: os “brancos” de hoje podem ser descendentes de escravos negros, e os negros de hoje podem ser descendentes dos senhores de engenho, porque existe uma coisa chamada miscigenação. Todo mundo aqui tem um pé na África, caro Juliano. Ainda bem. Portanto esse papo de “dívida social” não cola.
“cuja riqueza passou-se de geração em geração até os dias atuais (razão por que os negros continuam na miséria: herdaram a miséria)”
Que herança implacável, não? Que sina de imobilidade social! Coitados do Pelé e do Ministro Joaquim Barbosa, tão miseráveis (só pra citar dois exemplos..).
“Em relação aos indígenas, o país tenta se redimir da morte de milhões de nativos, mortos por não se submeterem à essa mesma escravidão e por serem os legítimos proprietários das terras tupiniquins, que os brancos amealharam antes mesmo de porem os pés aqui;”
Juliano, ignorância histórica à parte (continuo achando que esse comentário é uma brincadeira…), só para sua informação: eu sou neta de índios. Sim, estou falando sério. Isso quer dizer que, em nome de uma suposta “dívida” que você – descendente dos colonizadores – tem para comigo – a descendente dos indígenas massacrados – eu posso invadir a sua casa e pegar tudo o que você tem? Afinal, eu sou a legítima proprietária destas terras tupiniquins e você me deve algo… É por aí?
2) Nesse item você só foi feliz na primeira frase. Na segunda, cometeu o grave erro de esquecer que os “brancos” pobres TAMBÉM acabam excluídos da universidade devido à baixa qualidade do ensino público.
3) Falso. O termo “elite branca” já é suficiente para aniquilar seu comentário. Não são necessárias cotas para a promoção da diversidade de pensamento no ambiente acadêmico. Se formos pensar por este lado, levando em conta o ambiente acadêmico de hoje, seria o caso de implantarmos cotas para NÃO-MARXISTAS…
A elite não está nem aí, Juliano, porque a ELITE – seja ela branca, roxa, verde, rosa… – pode pagar universidades particulares e estudar no exterior. Ela não será afetada pela implantação de cotas raciais nas universidades públicas.
4) Falso. Como se os fenotipicamente negros não tivessem hoje modelos bem-sucedidos nos quais se espelhar e, principalmente, exemplos de pessoas que venceram o preconceito sem se apoiar em privilégios impostos por lei. E de novo você apela para o absurdo do “trauma heriditário”… Poupe-me, Juliano.
5) Absurda comparação com o debate das cotas com o período escravocrata. Menos, Juliano, menos. E sua segunda afirmação anula a primeira. Um racismo “fraco” é um racismo latente. Como se preconceito pudesse ser mensurado de forma que fosse possível chegar a tal tipo de resultado…
6) Racismo, além de condenável, é um termo infeliz e inadequado, visto que raças não existem. Tudo o que a implantação de cotas raciais NÃO irá proporcionar é esse “convívio fraterno, respeitoso e harmonioso de todas as raças (SIC) em todos os ambientes”.
7) Esqueceu do “brancômetro pobrômetro”, Juliano… ¬¬
8 ) Quem diria: cotas milagrosas criadoras de ídolos. Essa é inédita.
9) Não frequento o carnaval de Salvador. Aliás, detesto carnaval. Portanto, essa não posso responder. Pra mim, pipocas são aquelas coisas que a gente faz na panela e no microondas…
10) Ok, esta foi engraçada.
NOTÍCIA EXIBIDA NO JORNAL NACIONAL
“A polícia de São Paulo abriu inquérito para investigar um caso de racismo e agressão. A vítima que deu queixa é um cidadão que levou a família ao supermercado e foi confundido com um bandido. Ele diz que foi espancado ao ser confundido com um ladrão.
As dores diminuíram mas nesta quarta-feira Januário recebeu uma ma noticia do dentista: as agressões afetaram o maxilar. “A gengiva são umas placas fininhas. Ela descola”, disse a vítima, Januário Alves de Santana.
Há 2 semanas a família fazia compras no supermercado em Osasco na grande São Paulo ele estava no estacionamento porque a filha dormia no banco de trás. Quando um homem armado se aproximou. Era um segurança do Carrefour, mas segundo Januário ele não estava de uniforme e não se identificou. Os dois lutaram até que outros seguranças apareceram mas ao ele foi levado para uma sala e espancado.
“Ele disse: tá roubando carro aqui? E bateu. Eu falei: pelo amor de Deus, o carro é meu. Ele não queria saber não”, disse. Januário conta que as agressões só pararam com a chegada de um policial militar mas mesmo assim ele continuou a ser humilhado.
“Você tem cara de quem tem passagem. No mínimo umas três passagens você tem. Tua cara não nega, negão”, disse Januário.
A Polícia Militar disse, numa nota, que não compactua com nenhum tipo de discriminação e que instaurou um procedimento para averiguar o fato.
Em nota, o Grupo Carrefour diz que repudia qualquer forma de agressão ou desrespeito. Vai colaborar com a polícia e espera que os responsáveis sejam rigorosamente punidos.
Januário diz que foi vitima de racismo e pretende entrar na justiça. A mulher dele tem outra preocupação o futuro dos filhos.
“Pode acontecer com eles também porque eles são negros. E isso me dói. Acho que o negro não pode viver , não pode ter os seus bens conquistados pelo seu trabalho e seu suor, e isso me deixa muito ferida” disse a esposa de Januário, a funcionária pública Maria dos Remédios.
A direção do supermercado afastou da função o segurança responsável pela agressão. Ele é funcionário de uma empresa terceirizada.”
ESTE É APENAS UM CASO DIVLGADO EM ÂMBITO NACIONAL, MAS, DIARIMAENTE, EM TODAS AS CIDADES BRASILEIRAS OCORREM FATOS SEMELHANTES, ONDE “NEGRÔMETROS” COMO ESTES (SEGURANÇAS NEGROS) SÃO ACIONADOS ANTE AO MENOR SINAL DE ALARME (SUSPEIÇÃO).
TALVEZ VCS DIGAM QUE NÃO SE TRATA DE RACISMO JÁ QUE OS AGRESSORES TAMBÉM SÃO NEGROS (OU HOMENS DE PELE ESCURA, COMO QUEIRAM)…É, TALVEZ VCS TENHAM RAZÃO…
Juliano, leia a resposta do Raphael a você em outro texto em que você postou o mesmo comentário: http://www.imil.org.br/artigos/o-mito-da-caverna-e-as-cotas-raciais/#comment-1735
Com relação ao art.9º § primeiro da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, gostaria de conhecer o posicionamento do autor, no que se refere ao texto: ” ninguém será discriminado,prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento… “.
Concordo com o que disse o Juliano, e acho que faltou a Cristina explicar o motivo da pouca representatividade dos negros em diversos setores da sociedade.
As cotas raciais já se detonam pelo nome. Geneticamente está provado que só existe uma raça: a raça humana!
Cristina Camargo, meu comentário não passou de novo. Já contei uns 40. Esse aqui eu sei que vai passar.
O que o Brasil ganha e perde com o acordo nuclear iraniano?
Dois personagens acostumados ao jogo diplomático avaliam a questão.
http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1594711-17665-384,00.html
Os embaixadores Luiz Felipe Lampreia e Sérgio Amaral avaliam até que ponto o Brasil ganhou e perdeu mediando o polêmico acordo nuclear com o Irã.