De forma surpreendente, Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que gastos federais com concursos públicos, quando financiados por taxas de inscrição, não estão sujeitos ao teto fixado pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016. O ato pode estimular o uso do precedente por administradores públicos, para fugir ao teto de gastos. Em meio à mais séria crise fiscal de nossa história, o TCU restabelece o crescimento insano da despesa pública, que ocorria sistematicamente desde a Constituição de 1988.
O foco essencial do TCU é a boa gestão das finanças federais. A ele cabe a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União. Nos últimos anos, o tribunal construiu um excelente quadro de auditores e outros servidores de alta qualificação, situando-nos entre os melhores do serviço público. Melhorou seus processos. Contribuiu para o aperfeiçoamento da gestão pública e de sua governança.
Por tudo isso, o TCU deveria ser o último a ignorar o espírito da emenda 95, qual seja o de estabilizar a despesa pública, em termos reais, por vinte anos. Há quem se oponha à medida, mas era chegada a hora de frear a expansão continuada dos gastos, ao ritmo de 6% ao ano acima da inflação. Havíamos chegado à beira do abismo. A insolvência do Tesouro traria de volta a inflação sem controle, comprometendo o nosso futuro.
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A marcha da insensatez do gasto foi possível porque sempre se conseguia financiar a expansão tresloucada dos gastos mediante elevação da carga tributária e da dívida pública federal. Nos dois últimos períodos de governo, a relação entre a dívida e o PIB saltou de 51% em 2010 para 77% atualmente. Deverá passar dos 80% ou 90% no próximo mandato presidencial, pois, até que se promova a reforma da Previdência e outras que confiram o mínimo de racionalidade ao Orçamento da União, seguiremos gerando déficits primários.
Ora, foi precisamente a válvula que nos levou a essa insustentável situação – o encontro de receitas para financiar gastos crescentes – que o TCU resolveu restabelecer. Se a moda pegar, outros candidatos a ter o mesmo tratamento serão as despesas previdenciárias e os gastos com educação e saúde, que dispõem de receita própria para sua expansão. Se assim for, o governo estima que o teto valeria para apenas 28% das despesas. A insolvência do Tesouro seria inevitável. A situação econômica e social do país se deterioraria rapidamente pela inflação sem controle e pela queda drástica da confiança na economia nacional.
Dificilmente a decisão do TCU terá contado com o apoio de seus quadros técnicos. Tudo indica que se tratou de uma escolha política de seus ministros. A gravidade do fato deveria merecer uma serena reavaliação. O presidente do tribunal, um homem experiente e sensato, bem poderia liderar seus pares em favor de uma reflexão que viabilizasse a revisão da decisão, pois é muito difícil revertê-la por recurso ao Judiciário.
Fonte: “Veja”, 19/08/2018