“O acesso à educação de qualidade é a garantia de oportunidades e possibilidade de transformação da vida do indivíduo, além do desenvolvimento do país”.
É comum ouvir a frase acima em discursos de candidatos ou entrevistas de intelectuais. No entanto, Victor Oliveira contesta a veracidade desta, tendo como base um artigo recente, publicado pelo IPEA, intitulado “Educação, Desigualdade e Redução da Pobreza no Brasil”, escrito por Marcelo Medeiros, Rogério Barbosa e Flavio Carvalhaes. Os autores simulam o que teria acontecido com nossa distribuição de renda e taxa de pobreza atualmente se, décadas atrás, tivéssemos investido muito mais em educação, antecipando em dezenas de anos nossas hoje civilizadas taxas de atendimento escolar, que até a década de 80 mal chegava a 60% da população de 7 a 17 anos.
Contra intuitivamente ao que se esperaria, as simulações indicam resultados modestos, como destacado por Victor Oliveira. Em suas palavras, “Os resultados mostram que apenas o efeito da melhora educacional da população economicamente ativa não faria uma queda abrupta da desigualdade observada no Brasil. Em alguns casos, inclusive, aumentaria a desigualdade em curto/médio-prazo. Para que o efeito sobre a desigualdade fosse mais forte, seria necessário massificar o acesso ao ensino superior. Em apenas poucos casos, a redução da desigualdade superaria 10% apenas pelos efeitos educacionais”.
Victor, em seguida, oferece explicação pela qual se deve grande parte do tímido resultado, ainda que, a meu ver, não a tenha enfatizado o suficiente. Como explicitado no próprio estudo, é a questão da inércia demográfica que faz com que os resultados sobre a desigualdade não sejam de fato muito significativos. Afinal, mesmo com grande aumento da oferta de escolas nos anos 60 ou 70, em 2010 ainda haveria um grande percentual da população mais velha que não teria tido acesso à educação em sua idade escolar. Assim, teríamos uma parte da população muito escolarizada e com pouca desigualdade, e outra parte com baixa escolaridade e muita desigualdade, contrabalanceando os efeitos positivos do aumento da educação por algum tempo.
Foi um fenômeno parecido com o que ocorreu no final da década de 90, em que os novos adultos que entravam no mercado de trabalho estavam muito mais educados do que aqueles que tinham entrado antes. Naquele momento, desigualdade não caiu, mas Menezes et al. (2006) mostra que esse enigma se deve a duas forças que atuam em direções opostas: o efeito de compressão (dos retornos à educação) induzindo uma redução na dispersão, e o efeito de composição (diferenças da escolaridade entre a força de trabalho mais jovem e mais velha) contribuindo para um aumento da desigualdade. A partir do momento que a maior distribuição da educação começou a se sobrepor pelas gerações, o efeito de composição trocou de sinal, contribuindo para o alto declínio na desigualdade 10 anos depois.
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Portanto, é importante notar que inércia demográfica é simplesmente isso: inércia. Tão logo a educação vai se disseminando pelas gerações, seus efeitos são progressivamente sendo sentidos pela população. Analisando coortes específicos da população, é possível inclusive ver seus efeitos sobre a desigualdade de renda de origem mais perversa: aquela herdada dos pais. Em minha dissertação, eu estimo a chamada elasticidade intergeracional de renda (associação entre a renda do pai e de seus filhos) para aqueles que nasceram de 30 a 40 anos antes, em dois períodos, da década de 70 até 1996, e da década de 90 até 2014.
A tabela abaixo mostra a elasticidade intergeracional da educação, renda e renda ajustada ao ciclo de vida. Como é possível ver, existe um coeficiente de persistência maior (mas decrescente) entre a escolaridade dos pais e das crianças e os rendimentos do trabalho em 1996 do que em 2014.
Em 1996, observa-se um coeficiente positivo de 0,742 na Elasticidade Intergeracional da Educação, o que significa que, se o pai tem 1 ano de estudo acima da média, espera-se que o salário de seus filhos seja 0,742 acima da média. Para a renda do trabalho e renda ajustada, estima-se respectivamente 0,757 e 0,763, o que significa que, para a renda do trabalho de um pai 100% acima da mediana, a renda de trabalho de seu filho é de 75,7% ou 76,3% acima da mediana, indicando um nível muito semelhante de persistência de educação e ganhos para essas gerações.
No entanto, dezoito anos mais tarde, a Elasticidade Intergeracional da Educação diminuiu para 0,441 na amostra de 2014, enquanto na Renda do Trabalho e na Renda Ajustada a queda é mais suave, para 0,530 e 0,560, respectivamente. Este primeiro resultado mostra que, apesar da persistência intergeracional reduzida para todas as variáveis, a escolaridade liderou a maior queda.
Para testar se o principal determinante da diminuição da elasticidade intergeracional da renda foi uma expansão mais forte na oferta de educação ou uma queda mais rápida nos retornos da educação, pode-se simular coeficientes de 1996 e 2014 trocando ambos os recursos uns dos outros, e verificar qual deles ser responsável pelas maiores mudanças.
Primeiro, vamos trocar os processos de mobilidade educacional (denotados como ) dos dois períodos. Em seguida, trocaremos o prêmio de educação (denotado como ) das gerações anteriores de pais e filhos atuais de 2014 e 1996. Espera-se que a Elasticidade de Renda Intergeracional diminua em 1996, já que o período de 1990-99 a 2014 teve uma maior mobilidade da educação e uma diminuição mais acentuada no prémio da educação, da mesma forma, em 2014, a elasticidade intergeracional de renda deverá aumentar. Portanto, a simulação com maior decréscimo em 1996 e maior aumento em 2014 indicará o principal determinante do aumento de mobilidade do rendimento entre gerações no último período.
Tabela abaixo exibe os resultados das simulações para a renda ajustada pelo ciclo de vida. Ela mostra o que era esperado: tanto a mobilidade educacional como o prêmio educacional parecem ter sido responsáveis pela diminuição da elasticidade intergeracional da renda entre os dois períodos. Em ambas, no entanto, a troca de mobilidade de educação leva a maiores mudanças na mobilidade de renda (redução em 1996 e aumento em 2014) do que a troca do prêmio salarial da educação.
Isso significa que, é por causa do aumento da oferta de educação às crianças de pais de baixa escolaridade, que no futuro houvesse menor associação entre suas rendas. Não à toa, como mostra o Gráfico abaixo mostra que, de fato, foi entre os filhos de pais no terço mais pobre da população que de fato a elasticidade intergeracional de renda se reduziu, tendo as demais famílias tendo movimentos dentro do intervalo de confiança.
Como se vê, apesar do ceticismo de alguns, a educação tem de fato um papel fundamental para a redução da desigualdade e aumento das oportunidades da população. Mesmo que a inércia demográfica possa vir a contrabalancear seus efeitos em um primeiro momento, basta esperar alguns anos para ser possível então observar uma sociedade mais igualitária e justa.
Fonte: “Terraço Econômico”, 09/04/2019