O novo coronavírus contamina ricos e pobres, e se espalha em locais públicos e privados. Não escolhe raça, idade ou gênero. Não distingue empregados do setor privado e do setor público, civis ou militares. Poderíamos, portanto, dizer que respeita os princípios constitucionais da igualdade perante a lei e da impessoalidade. Isso não se pode dizer das normas que visam combater sua disseminação, que estão contaminadas por outro vírus: o do abuso de autoridade. Um exemplo disso é a Nota Orientativa 34/2020 da SESA/PR para os shopping centers, centros comerciais e galerias paranaenses, que contém várias arbitrariedades.
O primeiro disparate é a proibição de promoções e liquidações, uma violação à garantia constitucional de liberdade de iniciativa e às próprias leis de proteção da concorrência.
Outras arbitrariedades são as diversas regras que impõem à iniciativa privada medidas que não são exigidas de órgãos e serviços públicos. Exemplos: proíbe-se o ingresso de idosos e gestantes nos shoppings, mas não nos transportes coletivos; determina-se a instalação de lixeiras dotadas de tampa com acionamento sem contato manual quando as mesmas inexistem em qualquer repartição pública estadual; exige-se a desinfecção de mesas antes e depois de cada utilização enquanto o mesmo não se demanda para os balcões de atendimento das unidades de saúde, delegacias de polícia e demais órgãos. A pérola final é demandar-se ocupação na proporção máxima de uma pessoa a cada 9m2, algo impensável para qualquer área de uma unidade de saúde, ao mesmo tempo em que as frotas de ônibus não são ampliadas, mas reduzidas.
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A leitura de todas essas medidas sugere que os shoppings são lugares perigosos onde grassa a contaminação, fato não comprovado. O que se comprova é que o bem intencionado agente público que editou a norma ou praticou abuso de autoridade, ou cometeu erro grosseiro.
Há abuso de autoridade sempre que o agente público exige do particular o cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou não fazer, sem expresso amparo legal. A SESA não tem competência legal para definir política de preços, controlar acesso etário ou definir padrões de equipamentos de estabelecimentos comerciais, ou definir ocupação de espaços privados. Há erro grosseiro, conforme recente decisão do STF, sempre que o ato ensejar violação do direito à saúde em razão da inobservância de normas e critérios científicos e técnicos e dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Assim, se uma pessoa a cada 9m2 ou limpar a mesa antes e depois de cada utilização é critério científico, deve ser aplicado também aos órgãos públicos, indistintamente, sob pena de caracterização de erro grosseiro. Se não é, e mesmo assim se exige do particular, é abuso de autoridade que viola os princípios da liberdade de iniciativa e igualdade perante a lei.
O novo coronavírus deve ser combatido por toda a sociedade, mas seu combate não pode se dar pela disseminação do vírus do abuso de autoridade. Se o primeiro coloca em risco a vida humana, o segundo é fatal para a vida democrática. Ambos devem ser combatidos