Com a tendência de Bolsonaro garantir um lugar no segundo turno, e possivelmente em primeiro lugar, a campanha eleitoral em seus derradeiros vinte e poucos dias vai tomar um caminho semelhante à de 2014, quando o voto útil levou o candidato tucano Aécio Neves ao segundo turno quando perdia para Marina até dois dias antes.
Desta vez, a disputa pela segunda vaga está mais acirrada. Até agora, quatro candidatos têm condições de chegar ao segundo turno, mas um deles, Geraldo Alckmin, apresenta dificuldades para avançar. Ele, que em 2014 deu ao mineiro Aécio sete milhões de votos na frente em São Paulo, não consegue superar Bolsonaro em seu próprio território político.
Não à toa os dois candidatos que aparentemente disputarão a vaga com Fernando Haddad, do PT, são Ciro Gomes, do PDT, e Marina Silva, da Rede. São os únicos que não têm envolvimento com denúncias de corrupção, especialmente Marina, pois, se Ciro não tem denúncia pessoal contra ele, o trabalhismo a que está filiado é envolto em denúncias de corrupção nos ministérios por que passou.
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Eles disputarão os votos de Alckmin e Haddad. Ciro, que se diz mais amplo politicamente que Haddad, e abre sua candidatura à centro direita. E Marina, que já vem refazendo seu caminho desde que saiu do PT, e conseguiu livrar-se da tutela, até psicológica, de Lula.
Os dois são figuras políticas distintas, mas têm pontos em comum. Marina, que foi analfabeta até os 16 anos, é historiadora com especialização em psicopedagogia.
Na atual campanha, Marina “matou o pai” no sentido freudiano, isto é, libertou-se da submissão a Lula, da sua autoridade, e principalmente da dependência que tinha dele. Já havia começado esse processo desde que saiu do governo depois de sete anos como ministra do Meio Ambiente, mas só agora se libertou de seu mentor político, a ponto de poder afirmar com convicção que considera Lula um corrupto, que está preso com justiça.
Na sabatina do “Globo”, ela, além de usar termos regionais como “bicho de ruma”, para definir os políticos que são uma praga para o Estado brasileiro, e “farinha do mesmo saco, angu do mesmo caroço”, para falar dos políticos que negociam seus mandatos em diversas legendas, é capaz de citar Lacan para exemplificar por que age em busca de um presidencialismo de proposição, em contraposição ao presidencialismo de coalizão, figura criada pelo cientista político Sérgio Abranches que vem sendo deturpada pelo “toma lá dá cá” que prevalece na política brasileira.
Marina saiu-se com essa na sabatina: “Como diz Lacan, o sentido só aparece depois”, para dizer que a conduta correta ao formar o governo terá consequências benéficas para a democracia, assim como as alianças espúrias só fazem corrompê-la.
Ciro Gomes, por sua vez, gosta de se apresentar como “um velho professor de Direito” ou “constitucionalista”, e ressalta a temporada que passou estudando em Harvard. Ontem, além de chamar o general Mourão, vice de Bolsonaro, de “burro de carga”, ou os militares que supostamente estariam insuflando uma intervenção militar de “cadelas no cio”, explica que tem uma linguagem para cada público.
Por isso, falou em colocar cada poder “em sua caixinha”, frase que produziu a impressão, que ele diz falsa, de que pretende controlar a Operação Lava-Jato. Segundo ele, estava simplesmente traduzindo para o popular a teoria de equilíbrio dos poderes no Estado, de Montesquieu, e citou em francês o livro “L’esprit des lois” que diz que “o Poder controla o Poder” para que não se abuse do poder.
Os dois estarão disputando os votos com Fernando Haddad, outro intelectual, professor da Universidade de São Paulo, que tem a vantagem de ter Lula como cabo eleitoral, mas a dificuldade de ter uma legenda manchada pela série de denúncias de corrupção.
Ciro começou a bater duro no PT e em Haddad, mas livrando Lula. Sabe que no segundo turno os votos lulistas serão dele se Haddad lá não estiver.
Marina critica a polarização entre PT e PSDB, e se propõe como alternativa, dando “umas férias” aos dois partidos hegemônicos na política brasileira nos últimos 25 anos. E disputa os votos de centro esquerda, que pegam desde tucanos desiludidos a petistas desencantados.
Os dois criticam a falta de experiência de Haddad, que seria um novo poste de Lula assim como Dilma foi. E experiência, ao contrário do que se supunha, é um requisito da maioria do eleitorado.
Fonte: “O Globo”, 13/09/2018