Foi uma sugestiva coincidência, ocorrida na última terça: em uma cerimônia para marcar a abertura de varas na Justiça Federal, o presidente Lula aproveitou para defender a contratação de funcionários públicos e a ampliação da máquina; em Belo Horizonte, secretários estaduais de Segurança citavam como um dos principais problemas do setor a falta de investimentos em presídios.
Tudo seguindo assim, o país terá mais juízes para mandar gente para a cadeia, mas não haverá cadeia para todos. Parece brincadeira, mas é uma ilustração fiel do que se conclui quando se observa o orçamento de gastos do governo federal. No primeiro semestre deste ano, foram R$ 72 bilhões com pessoal e R$ 12 bilhões com investimentos.
É claro que a prestação de bons serviços públicos depende de pessoal qualificado e bem remunerado.
Mas achar que eficiência avança com a contratação de mais pessoas, como disse Lula, é um equívoco. O presidente atacou os que pedem um “choque de gestão” na administração pública, associando isso a demissões e, logo, tratando de jogar os críticos contra o funcionalismo.
Trata-se de uma visão muito pobre e sem qualquer perspectiva estratégica.
A eficiência do setor público é uma preocupação universal, um tema de estudos intensos, inclusive aqui.
No Ministério da Saúde, por exemplo, há um projeto para mudar o regime de funcionamento dos hospitais públicos, transformando-os em um tipo de fundação, com mais autonomia e liberdade de gestão e contratação de pessoal. A mesma ideia tem sido aplicada por prefeituras e governos estaduais, a partir da seguinte constatação: no regime atual, o aumento de gastos e do número de funcionários não leva a um ganho proporcional de eficiência na prestação do serviço.
Mas esse projeto dorme nas gavetas do governo federal, porque sofre resistências ideológicas. Dizem que seria um tipo de privatização. E se fosse? Qual o problema se isso levasse a um desempenho melhor da saúde pública? O certo é que o modelo atual não funciona satisfatoriamente. Mas como esse tipo de debate dá problema político, o governo foge dele e cai no puro sindicalismo: administrar é contratar e aumentar salários.
Isso vale para todos os setores da administração pública. Certamente há setores precisando de gente e certamente há funcionários ganhando mal. Mas também tem gente sobrando e bem paga em muitos outros setores.
A busca da eficiência depende de resolver essas distorções. Mas isso dá trabalho e não dá voto.
Ideologia na gripe Eis alguns pontos interessantes levantados pelo leitor e ouvinte Paulo Penteado: • Diz o ministro Temporão que o uso do Tamiflu causaria um supervírus, daí por que o Ministério controla o uso do medicamento. O problema é que o mundo não dá a menor pelota para essa tese criativa (a sua assunção, como verdadeira, levaria à apreensão de todos os antivirais e antibióticos existentes), e medica seus doentes com Tamiflu, aos primeiros sinais de gripe, desde que haja prescrição médica, inclusive particular. Assim fazem os EUA, Reino Unido e Chile.
• Como o pueril argumento do ministro já não mais convence ninguém, ele mudou a tônica. Estarrecedor que tenha dito, ao G1, que o Tamiflu foi retirado da farmácia porque quem tem “maior poder aquisitivo” compraria o medicamento e dele faria estoque. Ocorre que o governo federal achou desnecessário comprar Relenza porque tinha estoque “confortável” de Tamiflu. Um governo que não se previne, que não tem gestão minimamente eficiente de saúde pública, pode me impedir de comprar o remédio, se meu médico receitá-lo para salvar um familiar? Essa lógica totalitarista é típica de regime de exceção, como bem acentuou o infectologista Edimilson Migowski, ao jornal ’O Estado de S.Paulo’.
• A saúde privada é garantida pela Constituição. Preocupa o viés ideológico da justificativa do ministro. É um desrespeito para com quem paga impostos e mantém a máquina pública.
Aliás, seria a mesma coisa que dizer: é imoral você ter dinheiro para comprar comida, almoçar e jantar, pois tem gente com fome no mundo.
(O Globo, 06/08/2009)
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