A explosão de violência no Chile deve soar como alerta máximo: o equilíbrio democrático contemporâneo é absolutamente instável. As latentes pulsões sociais – enraizadas num profundo e angustiante sentimento de descontentamento político – são capazes de, num piscar de olhos, transformar fagulhas em labaredas incontroláveis. Portanto, a hora exige cautela e máximo tato, pois um simples movimento impensado pode ser o estopim da irracionalidade.
Sim, as insuficiências do atual modelo de poder nunca foram tão evidentes. O tradicional recurso ao tempo como anestésico coletivo não funciona mais. Isso porque a tecnologia da informação desmontou as instâncias de massificação coordenada da sociedade, criando, em paralelo, um poderoso sistema de impulsos segmentados de alta persuasão psicológica. Ou seja, as técnicas de manipulação do pensamento evoluíram em sua forma, incidência e potencial indutor. Tais circunstâncias renovam o eterno debate sobre a liberdade humana e suas respectivas instâncias de dominação.
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Nesse dinâmico macrojogo estrutural, as ineficientes e anacrônicas instituições públicas começam a ruir, enquanto o mercado faz nascer impressionantes corporações globais de alta influência intersubjetiva, instantânea capilaridade informativa e faturamento maior que muitas nações soberanas. Em outras palavras, temos o esboço de um novo sistema de poder que, além de novos players, exige novas regras e instâncias de mediação política. Afinal, por mais tecnológica que seja vida, o drama humano sempre requererá humanismo.
As tensões do presente representam justamente a zona de transição entre o que se foi e aquilo que será. No entreato dos acontecimentos, se faz imperativo o surgir de lideranças públicas conscientes que, através do diálogo inclusivo e da ação concreta transformadora, levem entendimento social e perspectivas de futuro a uma cidadania que cansou de ser enganada. Definitivamente, o cidadão, ao invés de objeto da política, quer só, e somente só, ser sujeito na democracia.
Fonte: “Zero Hora”, 23/10/2019