Os últimos dias foram plenos de informações sobre o que o governo brasileiro pensa sobre os meios de comunicação e seus projetos para implementar o que chama de “controle social” da mídia. Tudo o que se disse sobre o assunto indica uma comunhão de intenções entre o que já acontece em outros países da América do Sul, como a Argentina e a Venezuela, e o projeto de um futuro governo petista.
Na recente reunião do Foro de São Paulo realizada na Argentina, o grupo criado por Lula e Fidel Castro que reúne a esquerda da América Latina regozijouse porque “setores sociaisdo Brasil, da Argentina e do Paraguai” conseguiram colocar em questão a credibilidade dos grandes meios de comunicação, provocando redução nos níveis de venda e audiência dos jornais impressos e da TV.
Mesmo que se trate de uma bravata juvenil, a comemoração evidencia o real objetivo desses esquerdistas regionais, entre eles o dirigente petista Valter Pomar: tentar desmoralizar os meiosde comunicação independentes, para controlar a opinião pública.
Na mesma resolução, as medidas de diversos países da região para reforçar o controle do Estado no setor de comunicação social foram elogiadas, especialmente a lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, a chamada “Lei da Mídia”, aprovada na Argentina em 2009, que foi considerada inconstitucional pelaJustiça.
Essa legislação deve ser uma “referência imprescindível” para os demais países, decidiu o Forode São Paulo.
Ela faz parte de uma ampla campanha do governo de Cristina Kirchner para cercear a atuação dos jornais e televisões de maneira geral, mas muito especificamente do grupo Clarín, o mais importante do país.
A “Lei da Mídia” divide as concessões igualmente entre o Estado, movimentos sociais e o setor privado, levando em consequência o Grupo Clarín a ter que se desfazer de concessões de TV e rádio.
O mais novo lance dessa disputa é a intervenção do governo na fábrica de papel de imprensa do país, cujo maior sócio privado é o grupo Clarín, numa clara tentativa de impor sanções econômicas aos jornais.
Na segunda-feira, o presidente Lula, inaugurando um canal de televisão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, disse em discurso lido — isto é, preparado por sua assessoria, sem os perigos dos improvisos — que a emissora evitará que os trabalhadores “continuem impedidosde exercer a liberdade de expressão” e que “o brasileiro sabe distinguir o que é informação e o que é distorção dos fatos”.
Como se uma emissora que representa um grupo social específico não tenha interesses de classe a defender e discursos políticos a divulgar.
Já o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, repetiu sua obsessiva cantilena contra os órgãosde comunicação independentes, afirmando que a televisão dos metalúrgicos e a internet farão com que os jornais e as emissorasde TV percam o controle do noticiário levado à opinião pública.
Tirar o poder dos “aquários”, um jargão jornalístico para as salas das chefias das redações dos jornais, parece ser a fixaçãode Franklin, um movimento, segundo ele, “irreversível, e que está apenas começando”.
Em acordo com as diretrizes emanadas do Foro de São Paulo, o ministro da Comunicação Social do governo Lula pretende que sejam aprovados antes do final do mandato diversos projetos de lei originados na Conferência Nacional das Comunicações (Confecom), convocada por ele.
Com a participação de organizações da sociedade civil, da CUT e de representações de entidades empresariais, a Confecom produziu uma infinidade de propostas que podem se transformar em leis com o objetivo central de implantar o tal “controle social da mídia”.
Uma das propostas prevê “mecanismo de fiscalização, com controle social e participação popular”, em todos os processos dos meios de comunicação, como financiamento, acompanhamento das obrigações fiscais e trabalhistas das emissoras, conteúdosde promoções de cidadania, inclusão, igualdade e justiça, cumprimento de percentuais educativos, produções nacionais.
Uma repetição de várias outras tentativas já feitas, e derrotadas pela rejeição da sociedade, de controlar o noticiário e de direcionar a produção cultural dentro de critérios fixados pelo próprio governo.
Já relatei aqui na coluna, mas vale a pena repetir, as posições assumidas pelo mesmo Franklin Martins quando exercia a profissãode jornalista.
Num debate com o sociólogo Betinho, em junho de 1996, sobre o papel das ONGs, Franklin afirmava que “qualquer tentativa de contornar o Parlamento, ou de achar que se definem políticas públicas sem passar por ele, não é uma atitude democrática. Isso investiria contra a essência do Estado democrático, que é o voto”.
Não é possível, segundo ele, “a pretexto de dar voz a esses interesses fragmentados, se criarem condições para que a vontade de pequenos grupos seja imposta, e o voto, base da democracia, acabe relativizado e deixado de lado”.
Franklin achava que, “ao se apresentar como representante da sociedade civil e participar de reuniões com direito a voto, as ONGs negam o sistema representativo”.
E concluía seu pensamento: “Não vejo a menor autoridade para que falem em nome da sociedade.
Quem fala em nome da sociedade é quem tem voto para isso.” A mesma pessoa que defendia que o Congresso fosse o ator principal das decisões sobre políticaspúblicas agora quer que esses “interesses fragmentados” tenham suas resoluções homologadas pela base parlamentardo governo.
Seria investir contra a “essência do Estado democrático”, no qual quem decide em nome da sociedade é quem tem voto.
Fonte: Jornal “O Globo” – 25/08/10
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