Especialistas ressaltam que ato fugiu dos padrões institucionais e pode abrir precedente
A decisão da oposição de ocupar a Mesa Diretora do Senado ontem, por quase oito horas, para tentar impedir a votação da reforma trabalhista, foi considerada inapropriada e até mesmo antidemocrática por analistas políticos. Eles viram no ato das senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Fátima Bezerra (PT-RN) e Regina Sousa (PT-PI) uma atitude desesperada e fora dos padrões institucionais do Congresso. O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasilia (UnB), chamou atenção ainda para o ineditismo do ato, praticado pelas parlamentares mulheres, sem participação dos senadores.
— Foi um comportamento inadequado, antidemocrático, porque fugiu à prática parlamentar normal, que é usar o microfone para obstruir ou adiar votações. Não cabe esse tipo de comportamento no Parlamento — afirmou Fleischer.
Ele lembrou que uma obstrução semelhante já ocorreu na Câmara, mas não durou tanto tempo. Mas ressaltou que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) “foi inteligente” ao desligar o microfone para recuperar o controle da Mesa.
— A atitude delas foi contraproducente e acabou ajudando na votação, porque alguns senadores ficaram muito chateados. Elas só desocuparam a Mesa depois de ameaça de ação no Conselho de Ética e porque se sentiram derrotadas depois que Eunício começou a sessão — disse Fleischer.
‘PODE PARALISAR O CONGRESSO’
Para o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, a cena de ontem arranha a imagem de um Congresso já questionado pela sociedade, em meio à crise política, pois é uma atitude não se enquadra no campo parlamentar. Ele vê ainda um precedente preocupante, ressaltando que a oposição poderia usar outros meios para se fazer ouvir.
— Se esse tipo de recurso virar prática, vai paralisar o Congresso. Dentro do regimento interno, a oposição pode usar outros artifícios que prorrogam os debates para tentar evitar uma votação — disse Ismael. — É um desgaste enorme para o Congresso. Estão buscando uma forma de luta que não é própria do Parlamento. Ali, é a questão do debate, das discussões.
Cláudio Couto, cientista político da FGV, considerou a atitude das senadoras incompatível com a conduta parlamentar.
— É uma atitude antidemocrática. A Casa é formada por um número de representantes, que foram eleitos. Não se pode atropelar o regimento dessa maneira, é um desrespeito. É uma chantagem antidemocrática, não é válida. Não faz sentido um ato desse no Parlamento. Se todo grupo que discordar de uma causa, ou quiser reivindicar alguma proposta, resolver paralisar a votação, teremos um grande problema do de vista legislativo. É uma atitude, no mínimo, problemática, e que não pode virar rotina.
As críticas vieram também de outros parlamentares. O senador Cristóvam Buarque (PPS-DF) viu na obstrução “um gesto antidemocrático”:
— Creio que há muitos anos vi (uma ação como a das senadoras) numa reunião de estudantes. Mas, no Parlamento, não me lembro de ter visto, nem como senador nem como observador dos fatos históricos. É mais um gesto que desmoraliza o Parlamento na opinião pública, porque demonstra a incapacidade que nós temos de dialogarmos.
O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) também lamentou a tática escolhida:
— Nunca aconteceu isso (no Senado), estamos aqui para exercer o mandato democraticamente. E votar é a maior arma da democracia.
‘ATITUDE DESESPERADA’
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que lidera um grupo de entidades opositoras à reforma, Guilherme Feliciano evitou classificar a obstrução, mas admitiu surpresa:
— Acho que foi uma atitude desesperada. Inclusive caminhava-se para um acordo, para que pelo menos um desses destaques fosse aprovado. Achamos que essa seria a melhor solução.
Luciana Freire, diretora executiva jurídica da Fiesp, chegou a defender a punição das senadoras no Conselho de Ética.
— Essa estratégia é bastante absurda. Um desrespeito não só aos demais parlamentares como à toda a sociedade. É uma pena que uma minoria se coloque como obstáculo à discussão de um tema tão importante para o país. Em nossa visão, elas devem ser punidas exemplarmente — afirmou Luciana, antes da aprovação da reforma.
Já Couto, da FGV, apesar de criticar a ação das senadoras, não vê motivo para punição.
Fonte: “O Globo”
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