Um dos desafios das autoridades econômicas é garantir uma expansão equilibrada entre a capacidade doméstica de oferta e a demanda agregada. Se a primeira anda mais rápido que a segunda, há uma alta do desemprego e da ociosidade das instalações produtivas. Se o oposto ocorre, aumenta a inflação e o déficit externo, com menos exportações e mais importações, para poder suprir o mercado doméstico.
O mundo rico vive há três anos na primeira situação: nos EUA, a taxa de desemprego está há 21 meses acima de 9%, contra 4,9% em média em 1998-2007; na Espanha essa taxa atinge 20,1%, contra 8,3% antes da crise. As autoridades vêm tentando combater esse quadro, mas esbarram nos limites impostos pela necessidade de garantir a solvência da dívida pública – meta que em alguns casos já corre riscos, em função de fatores estruturais, como o envelhecimento populacional – e na impossibilidade de o juro nominal cair abaixo de zero. De fato, chegou-se a temer em 2010 que EUA e Europa entrassem em deflação, o que faria os juros básicos, mesmo em zero, contracionistas, desestimulando ainda mais a atividade econômica.
Os EUA sempre foram ousados nas medidas de estímulo, em parte pelo dólar ser moeda de reserva internacional e pela grande demanda internacional por ativos financeiros americanos, mas também pela intolerância da sociedade americana com elevadas taxas de desemprego. Desta vez não foi diferente: o Fed, o Banco Central americano, expandiu fortemente a quantidade de dólares na economia, tentando gerar inflação, competitividade externa e valorização dos ativos reais. A primeira faz os juros reais ficarem negativos, a segunda aumenta a demanda externa por produtos americanos e a terceira dá às famílias a percepção de maior riqueza, elevando a disposição a consumir.
Em certa medida, essa política tem sido bem-sucedida: não apenas se evitou, pelo menos até aqui, a japanização da economia americana, como há sinais de aquecimento econômico e melhoras no mercado de trabalho. Mas os impactos ainda são modestos, exceto pela valorização das ações, e não há certeza sobre sua sustentabilidade. Em especial, a situação do mercado imobiliário continua ruim e a inflação se concentra nas commodities.
Mais importante, de nossa perspectiva, é que o dinheiro impresso nos EUA, com poucas oportunidades de investimento financeiro rentáveis no país, acaba inflacionando o preço das commodities e fluindo para os emergentes com maiores e mais abertos mercados financeiros, como o Brasil. O resultado é a valorização do real e a expansão do crédito, que alimentam o consumo e o investimento privado. A isso se somam a política fiscal expansionista e algumas reformas institucionais importantes, como a criação do crédito consignado, para produzir um aumento da demanda doméstica superior ao da oferta.
Assim, o Brasil está claramente na segunda situação descrita no primeiro parágrafo. A inflação em doze meses até fevereiro bateu em 6,1%, pelo IPCA-15. A alta em alimentação e bebidas (10,1%) é parte da história, mas não a história completa. Por exemplo, nesse período o aluguel e a entrada de cinema subiram 7,1%, os preços de vestuário e ônibus urbano aumentaram 7,4%, os médicos ficaram 11,2% mais caros e os serviços pessoais 9,9% mais onerosos.
O desequilíbrio entre demanda e oferta também é evidente nas contas externas. Assim, apesar da alta no preço das commodities, atingindo patamares não experimentados há décadas – em dezembro de 2010 o preço das exportações brasileiras em US$ estava 138% acima da média de 2002 – o déficit em conta corrente do ano passado foi 0,8% do PIB maior que o de 2009, em que pese o PIB em dólares de 2010 ter sido inflado pela valorização do real.
Há dois problemas com esse quadro. O primeiro é que o Brasil não tem como se contrapor adequadamente aos efeitos da política econômica dos países ricos, em especial dos EUA. Isso é bem exemplificado pelo que ocorre com a taxa de câmbio, que deve apreciar outra vez este ano, apesar da massiva intervenção do Banco Central na ponta compradora de dólares, a um custo fiscal cada vez mais alto (algo entre 30 e 50 bilhões de reais ao ano).
O segundo problema é que a atual política nos países ricos não vai durar para sempre e quando voltar ao normal vai ter efeitos igualmente fortes, podendo pegar o Brasil mergulhado em desajustes importantes, de uma expansão talvez excessiva do crédito ao consumo à perda de competitividade na indústria. É hora de começar a se preocupar para isso.
Fonte: Correio Braziliense, 23/02/2011
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